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Imagem: Pixabay

A economia do aborto

Criminalidade, moralismo e poder de escolha


Samuel Barbi

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Especialista em economia, entra ao ar às segundas-feiras com a coluna MundoZFundos, no RádioCast 98


Recentemente tivemos dois casos relacionados ao aborto e com altíssima repercussão. A Suprema Corte dos Estados Unidos (EUA) derrubou uma decisão de 1973, que garantia nacionalmente o direito ao aborto. Isso devolveu aos estados norte-americanos o poder de definir se permitem ou não tal procedimento. No Brasil, acompanhamos o caso de uma garota de 11 anos estuprada e que teve seu pedido de aborto inicialmente negado pela justiça, mas conseguiu realizar a interrupção da gravidez alguns dias após a decisão.

O tema do aborto é muito polêmico e retoma a mídia com mais força em períodos eleitorais. É difícil comentar sobre a questão sem despertar o ódio de quem diverge de sua opinião. Entretanto, seria possível analisar o aborto sobre um ponto de vista que se distancie da religião, dos direitos das mulheres ou de outros aspectos morais?

“Poderíamos dizer que o moralismo representa a forma como as pessoas gostariam que o mundo funcionasse, enquanto a economia representa a forma como ele realmente funciona. A economia é, acima de tudo, uma ciência feita para medir.” (Levitt e Dubner em Freakonomics, 2007)

Isso é o que o economista Steven Levitt e o jornalista Stephen Dubner tentam responder no capítulo 4 de seu super badalado livro Freakonomics, desagradando tanta gente ao ponto de se tornarem um grande sucesso mundial. A pergunta central do texto é: onde foram parar todos os criminosos?

Em 1966, na Romênia o aborto antes liberado, passava a ser criminalizado pelo ditador comunista Nicolae Ceausescu. Poucos anos depois, em 1973, os Estados Unidos passariam por uma maior flexibilização do tema. Entre 15 e 20 anos após a medida, a Romênia veria suas taxas de criminalidade se elevarem, enquanto os EUA teriam uma queda considerável nesses índices. A hipótese testada pelos autores é de que toda uma geração de “bebês indesejados” e, portanto, mais propensos ao crime, não viria sequer a nascer no país do Mickey Mouse. Isto é, eles simplesmente não estariam lá para cometer os delitos.

A hipótese é de que as crianças abortadas não nasceriam em lares de famílias mais estruturadas e amorosas, prontas para receber as crianças. Entretanto, seriam concebidas em lares mais vulneráveis e, tendo em vista as substanciais desigualdades, mais propensas a cometer crimes. Nesse sentido, a queda da criminalidade nas décadas subsequentes seria uma consequência não esperada para a política de aceitação do aborto. Os dados pesquisados apontam que:

●    Os estados que aceitavam o aborto antes da legalização nacional nos EUA, tiveram queda nos índices de criminalidade 3 anos antes dos demais;

●    Nos estados em que havia não somente a legalidade, mas uma maior facilidade para o procedimento, ocorreu queda adicional de 30% nos índices de criminalidade;

●    O corte de idade para as diferenças em criminalidade era de 25 anos, o que indica que os efeitos dessa queda se concentraram na população que estava sujeita a liberalização do aborto.


Obviamente foram levantados contra argumentos de todos os lados, muitos deles também testados e empiricamente abordados pelos autores no texto:


●    Melhora da economia: Os efeitos existem mas não explicam estatisticamente a queda da criminalidade no período, em especial, em relação aos crimes violentos;

●    Pena de Morte: Os autores consideram que a pena de morte como é aplicada nos Estados Unidos fracassou como método para redução da criminalidade;

●    Melhores técnicas policiais e aumento do número de policiais: Foi efetiva e respondeu por cerca de 10% da redução da criminalidade nos anos 1990;

●    População armada: Não há evidências concretas na econometria em que o armamento da população reduz a criminalidade.

Há ainda críticas de cunho mais social ao estudo, atribuindo aos autores percepções de racismo ou mesmo de intolerância aos pobres. Deve ficar bastante claro que raças e classes sociais não têm a ver com os resultados. Os autores evidenciam que o estudo tem como alvo pessoas de todos os contextos. O ponto de atenção da pesquisa diz respeito a mãe e sua família que desejam criar uma criança contra aquelas que não se sentem em condições para isso. Os autores, em momento algum, defendem o aborto ou o promovem, buscam apenas analisar os resultados friamente. E os dados apontam para a conclusão que dar às mulheres e suas famílias o poder de decisão sobre o aborto pode ter efeitos de longo prazo na redução dos níveis de criminalidade.

Meu objetivo com essa coluna também não é defender ou aprovar a prática do aborto, mas debater um estudo que mede seus efeitos sobre a sociedade e a economia. E aí, esse estudo altera algum aspecto de sua percepção pessoal sobre o aborto?


* Esta coluna tem caráter opinativo e não reflete o posicionamento do grupo.
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