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Imagem: Eduardo Almeida / Rede 98

Por que convivemos com constantes ameaças de greves de caminhoneiros?

Entenda o motivo que leva a economia brasileira — há anos — ao limite de colapsos e paralisações


Theo Lamounier

Notícias

CEO da Byebnk e colunista do programa Central 98, às quintas-feiras


A economia é um organismo complexo, tão complexo quanto o corpo humano. E na economia, assim como no nosso corpo, a sobrevivência do sistema é mais importante do que a de algumas células individuais — tanto é que diariamente sacrificamos parte das nossas células em diversos processos de renovação, criação de energia e outros, responsáveis por nos manter vivos (ver sobre autofagia celular).

Ainda na analogia com o corpo humano, o uso de remédios é feito com base em longos estudos, pois o efeito de primeira ordem do medicamento (a cura que se deseja) tem seu preço em consequências de segunda e terceira ordem — os chamados efeitos colaterais. Em média, o prazo entre a descoberta do medicamento e a sua comercialização é de doze anos, justamente pelos testes de efeitos colaterais em grandes grupos de amostra. Veja, por exemplo, que o famoso Viagra era um medicamento idealizado para o controle e tratamento de Hipertensão pulmonar.

Agora que você já entendeu a "potência" dos efeitos de segunda e terceira ordem, vamos para o campo econômico. Quando um agente econômico, no geral os estados, pensam em políticas para estimular ou salvar a economia, eles imaginam que essas ações terão certos efeitos de primeira ordem. Mas vejam: eles só podem especular! Os efeitos de primeira ordem de medidas econômicas não são testados durante anos. Assim, além de não saber as consequências imediatas das políticas que serão implementadas, os agentes simplesmente ignoram os efeitos de segunda e terceira ordem que, como no caso do Viagra, podem ser benéficos. Ou, como se observa em testes de diversos medicamentos que não chegam a ser comercializados, podem ser nefastos e causar danos de proporções maiores do que os da cura ou estímulo buscado.

Antes de avançarmos na resposta para a pergunta proposta por este texto, reflita sobre o seguinte: vale a pena para nós, sociedade, sermos cobaias de medidas econômicas cujos efeitos são desconhecidos para curto prazo e imprevisíveis para médio e longo prazo? Talvez uma situação vivida pelo Brasil te ajude na sua conclusão. Ao menos, ela vai responder a pergunta tema.

No ano de 2009, com o início do governo Dilma e a chamada "nova matriz macroeconômica" e planos de aceleração do crescimento, implementou-se uma medida chamada PSI. Essa política consistia no financiamento de caminhões, pelo BNDES, com juros muito baixos (na época os juros reais eram de 1,5% ao ano).

No período que se seguiu à política econômica, a frota de caminhões no Brasil cresceu assustadoramente. Para se ter uma ideia, enquanto o PIB do setor de transportes cresceu 2,4% ao ano, no mesmo período, a frota de caminhões aumentou em 4,9% ao ano. Pense da seguinte forma: enquanto a demanda por transporte de cargas cresceu 1 a oferta pelo serviço cresceu 2 — isso entre 2009 até 2014, quando o país entrou em recessão. Vale lembrar que tivemos greves de caminhões em 2013, 2015, 2018 e, agora, 2021.

Paralelamente às indevidas interferências no setor de transportes, o governo Dilma, numa atrapalhada tentativa de conter a inflação, represou preços de combustível e da energia elétrica causando elevados prejuízos na Petrobras.

Essas duas medidas econômicas (subsídio ao financiamento de caminhões e manipulação de preço dos combustíveis) foram o caldeirão perfeito para o caos. Com muitos caminhões no mercado, ou seja, muita oferta, o preço do frete caiu — fazendo com que a atividade de transporte não ficasse viável para os caminhoneiros. Como se não bastasse, a Petrobras viu-se obrigada a recuperar seus prejuízos passados com políticas de preço mais agressivas. Tudo isso colocou os caminhoneiros numa posição de "pagarem para trabalhar".

Assim como o corpo pode levar muito tempo para se desintoxicar e filtrar substâncias ministradas durante anos, a economia também precisará de um longo prazo para se livrar dos efeitos de segunda e terceira ordem das medidas tomadas no passado. Isso, se os agentes políticos permitirem que a economia reaja por si só. Tentar desintoxicar o corpo humano com mais remédios não funciona, é preciso deixar o fígado e os rins trabalharem

Na economia é a mesma coisa: nós, as pessoas, precisamos reagir aos acontecimentos e filtrar os problemas para nos tornarmos um sistema complexo e resistente. Sem essa purificação, continuaremos a conviver com greves de caminhoneiros e outros problemas que ainda desconhecemos.

* Esta coluna tem caráter opinativo e não reflete o posicionamento do grupo.
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