Ninguém pode negar a um prefeito que teve o maior número de votos em primeiro turno na história das eleições da capital mineira suas qualidades como político, mas ao mesmo tempo ninguém pode deixar de analisar a mudança de comportamento e perfil de apoiamento que Alexandre Kalil imprimiu na sua trajetória política.
Essa dualidade sempre fez parte do perfil autoritário de Kalil, Para ele, sempre valeu muito mais seus projetos pessoais do que o caminhar em grupos. Para entender esse texto basta observar sua saída da presidência do Clube Atlético Mineiro e de seus descompassos com os que o sucederam no clube e que eram a ele aliados.
Os primeiros dois anos de mandato de Kalil, que se elege com o apoio de parte do empresariado da capital, foram de construção de um comportamento de gestão que foi se distanciando de seus apoiadores na medida em que ele cumpria os acordos políticos, mais à esquerda, que o elegeram.
Kalil nunca deixou de ser político e de carregar com ele as qualidades e defeitos que esse perfil lhe imprimiu. Por isso, em seus dois primeiros anos de mandato, salvo algumas rusgas pontuais, ele foi um prefeito que arrancava sorrisos onde passava, “Do Leme ao Pontal”, como diz a canção de Tim Maia.
Mas veio a chuva de 2018 e os carros boiando nas ruas da Zona Sul, aliados à demora da prefeitura em se adiantar na admissão de que nada fora feito para proteger a cidade, expuseram as primeiras rusgas políticas de Kalil.
As respostas passaram a ser irracionais e a descoberta da inércia do executivo municipal para encarar as águas que vez por outra destroem a cidade foram expostas. A fraca visão de gestor foi exposta por todos os cantos da cidade.
Porém, ali as alianças populares e populistas feitas por Kalil entraram em ação e as obras mitigadoras passaram a ter um cunho de favorecimento político partidário mais evidente.
Nesse cenário as alianças com as reconhecidas forças “progressistas” da cidade foram ficando mais claras. Não se pode negligenciar o aparecimento e fortalecimento da secretária Maria Caldas, que encampa a luta por um Plano Diretor carregado de equívocos e nuances ideológicas que desagradaram boa parte dos empreendedores imobiliários da cidade, grandes e pequenos. Não à toa Kalil fez questão de dedicar à sua secretária palavras elogiosas em seu discurso de despedida.
Para abreviar nossa análise passamos pela pouco transparente gestão da cidade durante o período da pandemia, pelo auxílio de mais de R$ 200 milhões às empresas de transporte coletivo da capital, auxílio que nenhum outro setor recebeu e a um setor que havia sido mote de sua primeira campanha a prefeito. Afinal, quem aqui não se lembra da famosa abertura da caixa preta da BHTrans?
Para sua reeleição, Kalil contou com apoio — explícito em alguns casos e velado em outros — do setores da esquerda que tinham assento privilegiado nas questões municipais.
Nesse momento, a versão populista de Kalil se aflora e ele inicia seu segundo mandato como o Imperador Primeiro e Único de Belo Horizonte.
Teve contra si a renovação política da Câmara de Vereadores, transformada em um perfil mais independente e portanto menos disposta que a legislatura anterior em aceitar os comandos do executivo.
Agora, Kalil lança-se a uma campanha para a disputa do governo de Minas, talvez apoiado por Lula e tendo que se aninhar em outro partido que não o seu.
Pretendendo o apoio das lideranças de esquerda que tiveram que assistir professores apanhando da Guarda Municipal na porta da Prefeitura enquanto o prefeito fazia seu discurso de despedida, deixando atônitos vereadores que até a noite anterior apoiavam Kalil.
Imprimindo em seu discurso de saída frases como: “empresários terão que ficar na fila atrás de operários, carpinteiros...”, e colocando em seu lugar um prefeito afeito ao diálogo e com hábitos diversos ao dele no trato das relações políticas.
Kalil afirma que fará uma peregrinação pelo interior em busca dos votos de quem pouco (ou quase nada) sabe dele. O desafio: explicar ao eleitorado quem escreveu o enredo tão complicado de sua saída.