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Imagem: Reprodução / Instagram

Uma mão na direção e a outra na consciência

O que é isso? Esqueceram que existe uma mulher nessa história


Nely Aquino

Notícias

Vereadora pelo Podemos, presidente da Câmara Municipal de BH em seu 2º mandato. Fundadora do Projeto Rumo Certo.


Givaldo Alves já tem mais de 1 milhão de seguidores em redes sociais como o TikTok e Instagram. O “mendigo de Planaltina”, que se titula ser o “amante das mulheres”, tem acumulado fama desde que viralizou na web ao ser espancado por um personal trainer, após ser flagrado tendo relações sexuais com a esposa do profissional dentro do veículo dela, em uma rua da cidade de Planaltina, no Distrito Federal. Essa história era pra ser mais um caso de polícia, já que houve agressão e possível estupro de vulnerável, mas há um mês o Brasil inteiro o repercute das mais diversas formas, principalmente com piadas.

De forma obscena, em uma entrevista com uma emissora de televisão, Givaldo explicou o que teria acontecido entre ele e a esposa do personal trainer. Em sua versão, contou supostos detalhes do sexo e não poupou comentários sobre a intimidade da mulher. O vídeo, que não contém nenhuma censura, foi amplamente compartilhado em todas as redes sociais e no Twitter foi o assunto mais comentado em 24 horas, com centenas de memes. 

Mas, cada vez que se fala no assunto, a mulher envolvida é mais exposta. O que é isso? Esqueceram que existe uma mulher, cujo laudo médico detectou transtornos psiquiátricos, portanto em estado de vulnerabilidade, e que não autorizou a divulgação de nada disso?

Vivemos uma inversão de valores e agora o homem em situação de rua virou uma subcelebridade. É diariamente convidado para eventos e festas badaladas, sendo abordado e até beijado por mulheres influenciadoras digitais em busca de “likes” e novos seguidores. Para alguns, inclusive, é uma espécie de “mito”, já que “pegou uma gostosona”

Absurdamente a frase dita por ele “uma mão na direção e a outra no carinho” virou citação “poética” e até tatuagens. Daqui a pouco vira um personagem de desenho infantil (aí sim estaremos perdidos). É neste cenário de instantaneidade e exposição descuidada que se discute os limites entre a exposição e a intimidade. Cabe dizer que o direito à intimidade e a proteção da imagem são direitos fundamentais invioláveis, preservados inclusive pela nossa Constituição Federal, para que seja o indivíduo deixado em paz, constituindo um direito de controlar a indiscrição alheia nos assuntos privados que só a ele interessa.

Para além do direito à intimidade e à proteção da imagem, o caso de Planaltina está sendo investigado pela Polícia Civil e corre em segredo de justiça. Junta-se à investigação um laudo elaborado por médicos do Hospital Universitário de Brasília, onde diz que a mulher passava por fase maníaca psicótica do transtorno bipolar. O documento detalha que ela apresenta "alucinações auditivas", "delírios grandiosos e de temática religiosa", alteração de humor e "comportamentos desorganizados e por vezes inadequados." E ela segue internada desde o dia 9 de março.

Existe uma linha tênue entre o limite da exposição e a liberdade digital. O que vem acontecendo é uma falta de respeito enorme com uma mulher. Não consigo acreditar que  achem normal falar dela por aí com os termos que são usados. Tão violento, ou mais, do que os socos desferidos pelo marido são o heroísmo reportado ao sem-teto, os cliques, as risadas, os compartilhamentos, a vulgarização sexual da mulher e as milhares de visualizações dessa tragédia pessoal.

Espero que a vergonha, que muito se especula, que sentirá essa mulher ao sair do tratamento psiquiátrico e descobrir a proporção que esse caso íntimo tomou, seja muito menor do que a de todos aqueles que deram publicidade a essa história. E que esse homem, agora subcelebridade “Givaldo Alves, o mendigo do amor”, repense seus atos e conduza a sua vida com uma mão na direção e a outra na consciência.

* Esta coluna tem caráter opinativo e não reflete o posicionamento do grupo.
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