Desde o início da pandemia, o mercado de veículos vive uma montanha russa. A alta nos preços dos carros novos e a supervalorização dos usados fez popularizar um novo segmento: o de assinaturas de veículos zero km. Para entender esse fenômeno, é preciso voltar um pouco no tempo, no início da pandemia de coronavírus. As oscilações nunca vistas antes no mercado foram atribuídas desde as incertezas diante do cenário da pandemia em todo mundo até à falta de componentes essenciais para manter a produção de veículos no ritmo normal.
Quando a pandemia foi decretada no Brasil, em março de 2020, a primeira manobra do mercado foi derrubar os preços. Uma ação coordenada entre concessionários e fabricantes que estavam com medo da fuga dos clientes das lojas, levou a uma das melhores oportunidades para comprar um carro zero km. Tomemos como exemplo a picape Amarok, da Volkswagen, na versão Highline V6. Em abril de 2020, o modelo 0km que tinha o valor de tabela de cerca de R$ 195 mil, era vendido nos concessionários com ágio ou seja, super valorizado, por R$ 210 mil. Com o fechamento do comércio e a debandada de clientes, várias concessionárias passaram a ofertar o modelo por R$ 179 mil e ainda cabia desconto.
O período de quarentena foi aumentado para todos os setores e em todo o mundo e começaram a faltar peças para produção de veículos. A falta dos semicondutores aliada ao retorno dos clientes às compras, estimulado pelos valores mais atrativos de promoções, fez o estoque das lojas esvaziarem. Um zero km tinha fila de espera que chegava a quase um ano, dependendo do modelo. Então o preço disparou e hoje a mesma caminhonete que no início da pandemia era vendida por R$ 179 mil é oferecida por a partir de R$ 310 mil.
Uma pesquisa realizada pela Bright Consulting no primeiro ano da pandemia no Brasil revelou que entre 2020 e 2021 o preço médio de carros novos teve aumento de 17%, além da inflação do período, que foi de 10,06 % (IPCA). Isso mostra que na média, um carro que antes custava R$ 105,8 mil foi para R$ 123,9 mil. Foi neste cenário que surgiram as empresas de assinatura de veículos, mostrando a força de um nicho inédito no Brasil.
De acordo com dados da Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (Abla), carros por assinatura já representam 8% do total do mercado de veículos do Brasil e é a modalidade que mais cresce. Um mercado tão aquecido despertou a atenção de novas startups que nasceram de olho nessa importante e promissora fatia do mercado. A Byecar foi uma delas. Liderada pelo jovem empreendedor Milton Walsinir, a empresa surgiu da dificuldade que as locadoras e as montadoras tinham de alcançar e, principalmente, converter clientes numa jornada 100% digital, desde a escolha do carro, até a entrega do veículo, na porta do cliente. “Somos uma plataforma de assinatura de carros que ajuda as locadoras a ganharem escala sem precisarem se preocupar com marketing, vendas e pós-vendas; além disso, facilitamos a vida de nossos clientes”, disse o CEO da Byecar. A experiência anterior em uma locadora foi fundamental para que Milton se comunique na mesma língua de seus fornecedores. “Vi um potencial muito grande no mercado por já ter trabalhado em uma grande locadora e ver as dificuldades que elas enfrentavam e mesmo assim cresciam dois dígitos na última década”.
Mas afinal, de onde vem o sucesso da assinatura de veículos no Brasil? Milton acredita que esse formato é o ponto ideal, uma relação vantajosa tanto para a locadora quanto para o consumidor. “A assinatura traz uma econômica que chega aos 30% em relação à compra do carro financiado para o consumidor, pois com o aumento da taxa básica de juros (Selic) e da inflação o brasileiro perdeu poder de compra, além do juros do financiamento ter aumentados mais do que 50% no último ano. O que contribuiu bastante pela popularização da assinatura nos últimos meses”, explica.
Já para Charles Júnior, da empresa UseCar, especializada em carros por assinatura e terceirização de frotas, as pessoas hoje estão mais conscientes em relação ao uso ao invés da posse. Outros fatores relevantes, segundo ele, são a economia e comodidade. “Com a assinatura do veículo todas as dores de cabeça que um carro próprio traz, ficam por conta da locadora. Assim, ter um carro zero se torna muito mais prático e econômico”. As vantagens as quais Charles se referem vão desde a não preocupação com a desvalorização do veículo até a isenção do pagamento do IPVA, seguro e manutenção, que fica por conta da empresa dona do veículo.
Modalidade fez nascer youtuber
Quem também está surfando nas ondas dos carros por assinatura é o influenciador digital Bruno Couto, de Lavras, no sul de Minas. Bruno decidiu assinar um carro após várias desilusões e prejuízos com carros próprios. “Depois de ter testado todos os cenários na pele (e medido cada centavo gasto em todos eles), carros zero (com problemas), carro usado (varios problemas) e um velho fusca (intercalando com os alugueis), eu precisava encontrar uma alternativa e fui pesquisar sobre carro por assinatura mas não encontrei nada sobre o assunto, então comecei uma extensa pesquisa, meses de planilhamento e leitura de contratos, para o meu primeiro carro assinado”. Bruno só decidiu pela assinatura de carro após mais de 80 cotações e sete empresas analisadas. “Neste prazo eu documentei todas as pesquisas e cenários, elaborei minhas contas e subi todas as analises no youtube em formato de vídeos”. Hoje, o canal de Bruno no youtube tem quase 8 mil inscritos e sua popularidade chamou a atenção de grandes locadoras que trabalham com assinatura, como Localiza e Unidas. Hoje, além do canal no Youtube, Bruno dá consultoria para quem quer estudar a modalidade de assinatura a conseguir as melhores oportunidades.
Bruno tem uma visão bastante otimista do mundo de assinatura de carros. “Quem tem grana para comprar a vista um zero, já viu que é absurdo o que se perde de oportunidade por ter mais de R$ 100 mil parado num único bem desvalorizando, sendo que o dinheiro poderia estar aplicado no negócio ou em investimentos; do outro lado, muitos que financiavam, viram o quanto perdem de dinheiro com juros e alguns nem o dinheiro para entrada tem mais, então esses públicos das pontas migraram em peso pra assinatura nos últimos 12 meses com a subida dos juros”, completa.
O funcionário público aposentado Sérgio Oliveira ficou assustado com os preços dos carros zero km ao tentar trocar seu BMW Série 3 2016. Ele aproveitou o bom momento de venda dos usados e vendeu o seu carro, aplicando todo o dinheiro. Com os rendimentos da aplicação, ele assinou um Jeep Compass 0km. “Percebi que diante os preços abusivos do carro 0km, eu não conseguiria pegar um carro legal para mim, então vi que assinando eu poderia pegar sem comprometer a minha renda, pois eu pago a assinatura com o rendimento da aplicação e ainda sobra um troco”, explica o aposentado.
Os modelos mais procurados hoje são os SUVs e crossovers, como Fiat Pulse e Volkswagen Nivus. Os valores mensais para esses veículos ficam em torno dos R$ 3 mil por mês em um contrato de 24 meses e com franquia de 1.500 km por mês para rodar.