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Imagem: Valter Campanato/Agência Brasil

Como funciona a imprensa


Augusto de Franco

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Augusto de Franco, analista político, é autor do livro Como as democracias nascem


Em algum momento teremos de travar uma discussão séria sobre o papel e o funcionamento da imprensa (ou dos meios de comunicação profissionais). A imprensa é uma das instituições fundamentais da democracia dos modernos. Ninguém questiona que a liberdade de imprensa é essencial para a vitalidade do regime democrático. Onde não há liberdade de imprensa, com múltiplos sistemas alternativos de informação e análise disponíveis, não há democracia e sim ditadura. No entanto...

No entanto, a imprensa acabou constituindo uma caixa de reverberação e de reprodução. Jornalistas, analistas e outros profissionais de imprensa, repercutem, em geral, as abordagens sobre os eventos que fizeram outros jornalistas e analistas que tomam como referência. De sorte que a imprensa acaba noticiando e comentando o que a própria imprensa noticia e comenta. Não é por acaso que se lê, ouve ou vê as mesmas manchetes, as mesmas lides e as mesmas interpretações dos fatos.

Há uma profusão de meios profissionais de comunicação. Apenas para citar quatro países centrais. Nos EUA: The New York Times, The Wall Street Journal, The Washington Post, Los Angeles Times, USA Today, CBS, NBC, ABC, CNN, Fox etc. Na França: Le Monde, Libération, Le Figaro, Les Echos, La Tribune, L'Humanité, TF1, France 2, France 3, Canal+. Na Inglaterra: The Daily Telegraph, The Times, Financial Times, The Guardian, Daily Mail, BBC One, BBC Two, CBBC, Chanel 5, CITV. Na Alemanha: Der Spiegel, Deutsche-Welle, Süddeutsche Zeitung, ZDF, Das Erste, RTL, SAT 1, Pro7. O problema é que não há uma profusão proporcional de manchetes diferentes.

Por exemplo, nas últimas eleições para o parlamento europeu, a notícia compartilhada por todos era a da vitória estrondosa da extrema-direita - o que acabou não se revelando verdadeiro.

Outro exemplo, nas recentes eleições do Reino Unido as interpretações dominantes eram a de uma vitória esmagadora dos trabalhistas, mas o que aconteceu de fato foi que o Partido Trabalhista saiu, sim, vitorioso, porém com apenas 1/3 dos votos.

Mais um exemplo, nas eleições da França as interpretações dominantes apontavam, após o primeiro turno, uma vitória arrasadora da extrema-direita de Le Pen e que Macron teria dado um tiro no pé ao convocar eleições e, após o segundo turno, falou-se de uma vitória arrasadora da esquerda, mas a coalizão de esquerda teve 1/4 dos votos, verificando-se em seguida que o centro democrático de Macron está bem longe de ter sido esmagado e que Le Pen acabou em terceiro lugar.

Aqui no Brasil, jornalistas e comentaristas, além de seguirem o que dizem seus colegas nos países centrais ou mais desenvolvidos citados acima, seguem também uns aos outros. E aí vai se formando um "consenso", não fruto de um debate capaz de ensejar o surgimento de novas ideias e interpretações e sim por cloning e repetição. Quem diverge desse consenso é tratado como um alienígena, senão coisa pior. Em alguns casos tal "consenso" substitui o fato, a notícia. Uma vez conformada uma opinião dominante sobre um evento, essa opinião vira fato (indiscutível) e impede ou desestimula que se observe e analise o evento de outros pontos de vista. Quem fizer isso corre o risco de ser cancelado nas mídias sociais - que passaram a pautar os meios de comunicação tradicionais - e pode acabar sendo demitido por seu empregador.

Este artigo continua na próxima semana. Porque é necessário tratar também de outro aspecto de igual ou maior importância. A imprensa tem uma espécie de "tribunal" informal que julga as matérias pela sua proximidade ou distanciamento da interpretação dominante por repetição. Mas também tem uma "alfândega" ideológica que encara como contrabando opiniões dissonantes daquela que já foi aceita como ‘a’ correta.

* Esta coluna tem caráter opinativo e não reflete o posicionamento do grupo.
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