Uma mudança em nosso regime político está em curso. Isso não quer dizer que o Brasil está a um passo de virar uma ditadura, muito menos que já é uma ditadura – como o bolsonarismo quer que acreditemos.
Também não significa que o governo atual vai dar um autogolpe, nem que seja inexorável trilhar esse caminho que a polarização entre dois populismos (o lulopetismo x o bolsonarismo) está desenhando.
E nem significa que se o governo atual perder as próximas eleições, o vencedor dará um golpe de Estado – como o lulopetismo quer que acreditemos.
Mas significa - e isso precisa ser reconhecido por qualquer pessoa honesta que valoriza a democracia - que entramos numa deriva autocratizante.
Se não surgir uma alternativa democrática não-populista teremos, nos próximos anos, menos democracia e não mais democracia. Estaremos mais longe de nos tornarmos uma democracia liberal ou plena.
A mudança que está em curso por enquanto é, em grande parte, subterrânea - o que não significa que seja uma ameaça menos perigosa.
Vejamos os sinais.
A polarização está aumentando, não diminuindo. A capacidade de nossa sociedade de controlar o governo - a essência da concepção liberal de democracia - está diminuindo, não aumentando.
As consequências mais visíveis desse processo - como pequenas (mas decisivas) restrições de direitos políticos e liberdades civis (como a liberdade de expressão) - não tardarão a aparecer se continuarmos nesse caminho.
É para preocupar. Nossa proximidade (e mais do que isso, nosso alinhamento) com o eixo autocrático (o eixo das ditaduras: Rússia, Bielorrússia, China, Irã, Coreia do Norte etc.), via BRICS ou Sul Global – que já instalou no mundo uma segunda grande guerra fria - está aumentando, não diminuindo. Ou seja, nosso distanciamento da coalizão das democracias liberais (Canadá, EUA, Barbados, Costa Rica, Suriname, Chile, Uruguai, União Europeia, Taiwan, Coreia do Sul, Japão, Austrália e Nova Zelândia) está aumentando, não diminuindo.
O governo atual – a despeito de declarar o contrário, para jogar areia nos olhos do distinto público – é contra a autonomia do Banco Central e das agências reguladoras. É contra as privatizações e a lei das estatais. É contra uma reforma administrativa que viabilize um verdadeiro corte de gastos, dificultando que alcancemos o equilíbrio fiscal. É favorável ao uso político dos bancos públicos e à escolha governamental de complexos industriais estratégicos para privilegiar investimentos públicos. São indicadores inquestionáveis de que temos um governo estatista (e, a rigor, contra-liberal). E dizer isso em nada refresca o governo anterior, que era iliberal (no sentido político do termo) e golpista (à moda antiga).
Pior do que isso. Nosso governo atual e seu partido são hegemonistas. Não querem dar um golpe de Estado (à moda antiga, nem exatamente à moda contemporânea: por exemplo, alterando a Constituição para abolir a rotatividade democrática ou intervindo na suprema corte para modificar de uma vez sua composição, ao estilo chavista).
O diagrama abaixo resume essa estratégia de conquista de hegemonia do populismo lulopetista:
Lenta e progressivamente, o lulopetismo vem, nos últimos trinta anos, conquistando hegemonia sobre a sociedade: capturando as universidades, as corporações, os movimentos sociais e as ONGs, o serviço público, o setor artístico, os meios jurídicos, os institutos de pesquisa de opinião, as agências de checagem e a imprensa, para forjar uma opinião pública que seja favorável à sua eternização no poder.
Nem de longe o populismo rude bolsonarista poderá fazer frente à uma ameaça com tal grau de sofisticação. Só o surgimento de uma alternativa não-populista poderá nos livrar desse mau caminho, salvaguardando nossa democracia.
O que vai acontecer com a democracia brasileira? Depende de nós – dos que queremos nos ver livres da polarização entre dois populismos.