É simplesmente espantoso e profundamente perturbador o fato de o Brasil, cada vez mais, normalizar aquilo que não é normal - ou ao menos não deveria ser. Refiro-me à naturalidade com que estão tratando a promíscua relação entre religião e Estado, este último, constitucionalmente declarado laico, mas como tudo, não efetivamente obedecido.
Não bastasse uma autodeclarada “bancada evangélica” no seio do Congresso Nacional - e, aqui, absolutamente nada contra ou a favor de evangélicos ou quaisquer outros credos -, que luta com a faca nos dentes (e sem crucifixo nas mãos) por cada vez mais poder, sedizentes pastores investem na ruptura democrática, financiados pela… democracia.
Ligados ao bolsonarismo, “homens de Deus” pregam abertamente, em seus templos, a cisão social motivada pela política. Pior. Reforçam os discursos contra o Estado Democrático de Direito. Não à toa terem recebido do “mito” mais benesses fiscais do que já recebiam. Aliás, o presidente Lula não ousou retirá-las em suas medidas arrecadatórias.
Manter isentos de imposto de renda os salários espetaculares de líderes religiosos, como quer a bancada evangélica, ao mesmo tempo em que suas igrejas tornam-se verdadeiros impérios comerciais, da comunicação ao transporte, passando por entretenimento e lazer, é muito mais que um escárnio com os pagadores de impostos; é uma regalia perigosa.
No ato bolsonarista de domingo passado, ouviu-se - em alto e bom som! - pelo microfone de Malafaia e da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, palavras claras no sentido de que a “igreja” irá entrar para valer na disputa eleitoral, o que seria legítimo se não abastada (e abastecida) por isenção fiscal, o que vale dizer, financiada pelo conjunto da sociedade.
Não precisa ser genial em matemática, ou em legislação eleitoral, para fazer as contas e concluir que há “abuso de poder econômico” nessa parada. O diabo - sem perdão pelo trocadilho - é que, em nome do Senhor, tudo pode e é permitido aos engravatados de Deus em Brasília, pois não há Cristo - sem perdão outra vez - que interfira nisso.
Fernando Haddad e seu patrão Lula da Silva não passam um dia sem acusar os “super ricos” de pagarem pouco imposto, o que é mais uma das mentiras populistas e demagógicas do PT. Ao mesmo tempo, calam-se diante da imunidade tributária das igrejas e de seus donos. Ou seja, são leões com quem trabalha, emprega e produz, mas gatinhos com quem apenas promete, porém tendo a força de dezenas de milhões de votos.