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Imagem: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O homem meia-bomba de Brasília

Com muitas incertezas, clima que vai sendo criado reflete a polarização da sociedade brasileira


Augusto de Franco

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Augusto de Franco, analista político, é autor do livro Como as democracias nascem


Até agora as informações disponíveis são insuficientes para uma avaliação correta e completa sobre o que de fato aconteceu em Brasília, mas o clima que vai se criando reflete a polarização da sociedade brasileira. Por isso é preciso tomar muito cuidado com as notícias, interpretações e instrumentalizações que insuflam mais polarização.

O perfil do sujeito que cometeu o atentado indica que ele era antissistema (o que o identifica com a chamada extrema-direita), mas revela mais claramente o de uma pessoa desequilibrada.

Tudo isso são fragmentos de informações que devem ser checadas. Pelas informações disponíveis até agora a história do suicida de Brasília, fantasiado de Coringa, lembra a do maluco Adélio que deu uma facada em Bolsonaro (e foi apresentado como filiado ao PSOL quando não era mais e nunca representou o partido).

Ainda assim, algumas coisas já podem ser ditas sobre o ocorrido.

Mesmo que as bombas do maluco Tiü (seu nome eleitoral) fossem de C4, não colocariam em risco o Estado de direito brasileiro. Não haveria consequência disruptiva para a democracia do ato tresloucado praticado por ele. Foi mais um protesto insano que culminou num suicídio. Claro que não brotou do nada, quer dizer, não ocorreu num ambiente perfeitamente isótropo, mas num campo social muito perturbado pela polarização. Outros atos assim podem acontecer se não houver um esforço concertado de pacificação. A pacificação deveria ser a prioridade dos líderes de todas as correntes. Mas os populistas, no governo e na oposição majoritária, não querem nem ouvir falar disso. Vivem da polarização, que só surgiu com a política praticada como guerra do "nós contra eles".

Entenda-se bem. Quem comete um crime deve ser levado à justiça, observado sempre o devido processo legal. Mas por maiores que sejam as penas, caso seja condenado, isso não vai pacificar o país e diminuir a polarização tóxica que está nos sufocando e produzindo mais desatinos. Pacificação não tem nada a ver com impunidade e anistia para criminosos.

Sim, é absurda a anistia para os vândalos do 08/01/2023 e para seus mandantes ou insufladores. Todos devem ser processados, observando-se o devido processo legal, pelos crimes que realmente cometeram. Só não devem ser condenados por crimes que não cometeram.

Pacificação também não tem a ver com apaziguamento (à la Chamberlain), que não vê os perigos de normalizar ações autocratizantes e acredita, por ingenuidade ou interesse político menor, em boas intenções dos adversários da democracia. A pacificação é o resultado de uma concertação política para evitar que a democracia continue a ser erodida, quer por atos disruptivos de reacionários ou revolucionários inconformados, quer por abusos de poder de quem deveria zelar pela higidez do Estado democrático de direito.

Estão chamando o Tiü de homem-bomba. Mas homem-bomba é alguém que explode uma bomba amarrada ao próprio corpo ou em uma bolsa ou mochila para, ao imolar sua vida, ferir ou matar seres humanos ou causar prejuízos a terceiros, com danos significativos a pessoas ou propriedades. No entanto, Francisco Wanderley Luiz (o nome verdadeiro do Tiü) não fez isso. Seus explosivos não poderiam causar dano em uma estátua de pedra (o único alvo que, aliás, não foi atingido). Aquele artefato artesanal que explodiu em baixo da cabeça só poderia ferir a ele mesmo - e matá-lo, como infelizmente aconteceu. Tiü foi um homem-meia-bomba.

Nada disso torna menos grave o ato tresloucado, ainda que planejado, do suicida. Mas é preciso parar de sair por aí cavando valas interpretativas. Homem-bomba = Terrorista = Extrema-direita = Bolsonarismo = Bolsonaro. Ora, não é necessário fazer isso para culpabilizar Bolsonaro por tudo de ruim que ele fez à democracia. Ele deve ser processado e responsabilizado. Aliás, deveria ter sofrido impeachment. Mas os que não queriam o seu impeachment, mesmo depois da sua ação irresponsável na pandemia, com vistas a derrotá-lo mais facilmente nas urnas de 2022 (como aconteceu), hoje querem culpá-lo pelas explosões na Praça dos Três Poderes e aproveitar oportunisticamente a ocasião para – em conluio com o STF – implementar um controle das mídias sociais que, supostamente, seriam as culpadas pela produção de Tiüs. Nessa linha, cada novo ato disruptivo que vier a acontecer – ensejado pela polarização – será mais um pretexto para restringir a liberdade de expressão e outras liberdades civis.

Se a sociedade brasileira não parar essa escalada autoritária, em breve se tornará irreversível o processo de autocratização do nosso regime.

* Esta coluna tem caráter opinativo e não reflete o posicionamento do grupo.
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