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Imagem: Marilyn Nieves / istockphoto / Reprodução

Fraude à partilha: a prática que pode deixar você sem bens na hora da separação

Decisão inédita da Justiça bloqueou bens junto à Prefeitura, em uma dissolução de união estável. Saiba como se resguardar!


Camila Dias

Notícias

Advogada especialista em Direito de Família - mediadora, conciliadora. Jornalista, especialista em Criminologia.


Uma decisão inédita foi concedida por uma das Varas de Família da Comarca da Capital Mineira. Trata-se de uma decisão antecipada para proteger o patrimônio da ex-companheira. Isto porque a mulher viveu mais de 20 anos em União Estável, contribuiu com o seu trabalho para a conquista do patrimônio milionário do casal e, somente na hora da separação, descobriu que nada, nenhum imóvel está registrado em cartório.

E bem sabemos que só é dono quem registra. Contratos de compra e venda (os famosos contratos de gaveta) não garantem a propriedade de bens imóveis. Em outras palavras, não garantem que alguém seja dono de casa, apartamento, terreno, dentre outros.

No início de Casamentos ou Uniões Estáveis o casal planeja filhos, a construção de uma vida e patrimônio comum e, muitas vezes, deposita uma confiança excessiva no outro, sem se preocupar com as questões formais e legais na hipótese de uma ruptura, pois tem-se a expectativa de que o relacionamento será eterno. O que predomina é meu bem pra cá, meu bem pra lá, tratamentos carinhosos entre os dois.

Mas,o que acontece quando a relação está falida e não há outro caminho a não ser a separação? O principal motivo para as brigas no divórcio e na dissolução da união estável é a discordância na hora de dividir os bens. O que mais vemos no escritório, na prática, é:meus bens pra cá e os seus bens pra cá também. Estou me referindo à fraude à partilha.

Você já ouviu falar disso? Certamente sim. Provavelmente você já se deparou com a história de alguma amiga que está se divorciando e quando o processo se inicia, instala-se o desespero! “Onde está todo o patrimônio que construímos juntos?”

Alguém escondeu... ou está tentando esconder. Temos aí a fraude à partilha.

Recentemente, atuando em um processo de dissolução de união estável, começamos a análise dos documentos do patrimônio do ex-casal e nos deparamos com a seguinte situação: o ex-companheiro não havia registrado nenhum imóvel. Isso mesmo! Um patrimônio milionário sem nenhum registro em cartório.

Terrenos, apartamentos, estabelecimentos comerciais, veículos (mais de 20), empresas abertas sem o conhecimento da companheira. Tudo adquirido com o famigerado contrato de gaveta. Para não falar que nada era registrado, apenas alguns automóveis estavam em nome do ex e as empresas registradas na junta comercial.

Nesta hora a mulher pensa: “meu Deus, eu não tinha conhecimento de nada disso. Como farei agora? Ficarei com uma mão na frente e outra atrás?”

Uma das ferramentas que os advogados possuem, ao mover a ação judicial, é pedir, desde já, o bloqueio dos bens do ex-casal. Mas como fazer isso se não há nada registrado em cartório?

Será que este é um caso apenas para o direito de família? Na advocacia, é muito comum a atuação conjunta de bancas de diversos ramos do direito. E, foi assim,em atuação conjunta, que conseguimos proteger a cliente da fraude à partilha.

Para a advogada Letícia Franco, especialista em Direito Empresarial e Tributário, fundadora da Plataforma Acesso Legall*, e que atua em conjunto no caso, não há como evitar a fraude à partilha se os advogados não tiverem expertise para investigar o patrimônio de forma diferente do que já é praticado. “Um dos maiores valores de uma boa representação jurídica é estar um passo à frente do seu oponente! Para tanto, um dos papéis mais importantes desempenhados por um advogado é levantar todas as informações e documentos relacionados aos bens, antes de protocolar a ação. É preciso pensar fora da caixa. Tudo deixa um rastro! Neste caso, conseguimos proteger os bens da cliente pedindo algo que ainda não havíamos visto em ações desta natureza, além de desconstruir previamente a possível defesa do ex-companheiro de alegar não possuir patrimônio.” destaca.

Como o ex-companheiro não possuía nenhum patrimônio em nome próprio ou do casal, o que fizemos foi investigar no cadastro imobiliário da prefeitura quem era o responsável pelos imóveis e, pedir em sede de liminar (ou seja, de forma antecipada), que a prefeitura do município onde estão os imóveis fosse oficiada para que o setor de ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis) bloqueie a emissão de certidão para a transmissão dos imóveis, tornando-os indisponíveis para qualquer negociação. Trocando em miúdos: se o ex-companheiro tentar vender os bens, o comprador não vai conseguir, pelo menos por enquanto, transferir o imóvel para si.

Sendo o pedido inusitado, era preciso que a banca formada fosse até o Fórum conversar com o juiz, imediatamente após o protocolo da ação e antes que ocorresse a análise sobre o pedido. O objetivo foi explicar o caso concreto, pois havia o risco do pedido ser negado por não haver precedentes na jurisprudência (decisões anteriores) neste sentido.

Como previsto, ao primeiro olhar o juiz se surpreendeu, mas concedeu a decisão inédita, expedindo ofício para que a prefeitura tornasse indisponível a transferência dos imóveis identificados na fraude à partilha pelas advogadas. Neste caso, merece destaque a atuação do magistrado que sabe o quanto o Direito de Família é dinâmico e construído diariamente, devido às particularidades do caso concreto, respeitando os limites impostos pela lei. Assim, deferiu a liminar como instrumento de impedir a fraude à partilha pelo ex-companheiro.

Parte da missão (que está somente começando) foi cumprida! Não há registro no cartório de imóveis? Então seguimos o rastro do patrimônio e cercamos pela prefeitura.

Sim, o processo está apenas no início. E muita água ainda vai rolar embaixo desta ponte. Mas ter este pedido deferido, já no começo de um feito inestimável que traz um alento de que a justiça socorrerá os direitos dessa mulher, no fim do relacionamento, da tentativa do ex-companheiro de fraudar a partilha de bens e deixa-la com uma mão na frente e outra atrás.

*Letícia de Souza Medeiros de Freitas Franco é Economista, advogada especialista em direito empresarial e tributário e fundadora da Plataforma Jurídica Acesso Legall (www.acessolegall.com.br), idealizada para conferir maior acessibilidade do público em geral à contratação virtual de advogados experientes e especialistas, com abrangência nacional.

* Esta coluna tem caráter opinativo e não reflete o posicionamento do grupo.
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