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Imagem: PBH / Reprodução

Novos Anúncios de Habitação e Zeladoria para a Lagoinha: Início da Requalificação em Resposta à Pressão Popular

Os recentes anúncios de projetos habitacionais e limpeza permanente pela Prefeitura de Belo Horizonte trazem esperança para a região da Lagoinha, mas essas medidas surgem em resposta às pressões populares e denúncias feitas ao Ministério Público.  


Daniel Queiroga

Notícias

Advogado especialista em direito urbanístico, imobiliário e patrimônio cultural e professor. Doutor em Direito pela UFMG. Instagram: @danqueiroga


Em março de 2023, escrevi uma coluna criticando a negligência da Prefeitura em relação à Área de Diretrizes Especiais (ADE) Região da Lagoinha, um local de grande valor cultural, histórico e potencial econômico para Belo Horizonte. Naquela ocasião, o Município havia acabado de dar o pontapé inicial do programa "Centro de Todo Mundo", e por isso defendi, considerando a constatação de que os problemas das áreas são muito semelhantes, a implementação de dispositivos do Plano Diretor de 2019 que preveem um plano para a regeneração urbana da Lagoinha.

A criação de um plano para a ADE, com participação da sociedade (comunidade local, mercado imobiliário e poder público), seria fundamental para abordar os problemas da região de forma integrada e participativa. Os exemplos de sucesso de outros locais do mundo que passaram por processos de requalificação mostram que a participação ativa da comunidade e a cooperação entre diversos atores sociais são essenciais para alcançar resultados positivos.

Pouco tempo depois, em maio de 2023, como parte do programa "Centro de Todo Mundo", a Prefeitura publicou um edital para habitação de interesse social na Rua Arceburgo,situada dentro da ADE Região da Lagoinha. E imaginem o resultado? Foi deserto.

Não se pode negar que esse edital foi uma tentativa da Prefeitura de requalificar parte da ADE, mas os parâmetros urbanísticos pouco atrativos tornaram o edital um fracasso. A limitação da altura permitida para a edificação e as regras de afastamentos inviabilizaram o projeto para os empreendedores privados, mesmo contando com um coeficiente de aproveitamento maior do que o padrão para essa zona da cidade.

Este é um exemplo claro de que um plano específico para a ADE, tal como previsto no Plano Diretor de 2019, poderia ter evitado essa oportunidade perdida de criar novas moradias e qualificar o espaço urbano. A falta de diálogo com os potenciais investidores e a comunidade local resultou em um edital que não atendeu às expectativas de ninguém.

As novas ações da Prefeitura

Em contraste, um projeto anunciado em maio de 2024 de habitação social em uma área recentemente desapropriada nas Ruas Itapecerica, Adalberto Ferraz e Av. Presidente Antônio Carlos, parece promissor. A simulação do empreendimento, elaborada pela Prefeitura,inclui a construção de um edifício de uso mistocom fachada ativa, com pelo menos 80 novas unidades habitacionais e lojas, prometendo requalificar um dos pontos mais feios para quem passa diariamente no Complexo Viário.

 

Situação atual da áreadesapropriada – Fonte: PBH

 

Situação proposta pela Prefeitura – Fonte: PBH

 

A localização, a poucos metros da estação do metrô, da Rodoviária e do MOVE, é bastante atrativa. Embora a simulação tenha utilizado a altimetria do Plano Diretor de 2019, vale destacar que o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte (CDPCM-BH) definiu uma altura maior para edificações nesse trecho ao proteger a região, o que, caso fosse adotada, poderia potencializar ainda mais o projeto.

Além disso, a futura edificação pretenderequalificar uma área degradada, trazendo novos moradores e atividades econômicas para a região.Os futuros moradores do local poderão se beneficiar, além da riqueza cultural da Lagoinha, da reforma da Praça Vaz de Melo, que será iniciada neste ano, e que promete ter mobiliário qualificado, arborização, espaço para eventos e banheiro público.

A requalificação da área envoltória do projeto inclui limpeza permanente e ações de zeladoria no Complexo Viário, além de assistência social intensificada para a população em situação de rua. A Prefeitura anunciou que duas equipes de garis trabalharão diariamente, removendo toneladas de lixo e realizando capina e roçada. Essas ações são essenciais para melhorar a qualidade de vida dos moradores e frequentadores da Lagoinha.

A limpeza urbana é um passo fundamental para qualquer processo de requalificação, pois influencia diretamente a percepção de segurança e bem-estar dos cidadãos, bem como pode atrair os olhares criteriosos do mercado imobiliário para a região.

 Vontade Política ou Pressão Popular?

A Lagoinha, historicamente cheia de vida e de importância para Belo Horizonte, tem enfrentado um processo de degradação urbana que parece implacável. Trata-se de um problema crônico que se arrasta há mais de 40 anos, passando por várias administrações, caracterizado pela omissão e falta de vontade política, que resultou na redução da população residente, substituição de imóveis por galpões e milhares de metros quadrados de áreas subutilizadas, prejudicando o potencial econômico, habitacional e turístico da região.

É importante destacar que o “avanço” anunciado recentemente para a região não é resultado da minha coluna de março de 2023, nem de um epifania da Afonso Pena 1212 que acordou para a necessidade de um olhar mais atento para a Lagoinha.

Essas mudanças são fruto da mobilização dos moradores e da intervenção do Ministério Público de Minas Gerais, após tentativas frustradas de uma negociação direta com a Prefeitura; e outra intermediada pela Câmara Municipal, quando moradores e comerciantes apresentaram um dossiê popular em abril de 2022 destacando problemas como má conservação de áreas públicas, ocupações irregulares, atividades ilegais e falta de limpeza urbana.

As onze representações apresentadas ao Ministério Público levaram à abertura de um inquérito civil, àrealização de audiências públicas e à criação de um grupo de trabalho conjunto, com o objetivo de encontrar soluções colaborativas para os desafios da região.

Os moradores, cansados de esperar por soluções ou abertura de diálogo com a Prefeitura, tomaram a iniciativa e pediram ajuda ao Ministério Público para buscar a tão sonhada requalificação da região. As representações são denúncias juridicamente estruturadas e embasadas em documentos e fatos que provam o abandono da Região da Lagoinha pelo Poder Público.

Essa mobilização por justiça é um exemplo claro de como a participação popular pode ser uma força motriz para a transformação urbana. Quando a comunidade se une em torno de um objetivo comum e trabalha de forma organizada, é possível alcançar resultados significativos. A intervenção do Ministério Público foi crucial para mediar o diálogo entre os moradores e a Prefeitura, garantindo que as demandas da população fossem ouvidas e atendidas.

O Caminho para a Requalificação

A experiência da Lagoinha destaca a importância da participação popular na gestão urbana. O envolvimento do Ministério Público catalisou mudanças necessárias, trazendo resultados positivosno curto prazo que infelizmente não são suficientes para abarcar todos os problemas existentes. A cidade pode ter esperança na requalificação? É claro que sim, embora haja muito a ser feito, em especial no médio e longo prazo,a colaboração mediada entre sociedade civil e poder público pode transformar realidades.

O caso da Lagoinha é um exemplo de como a união da comunidade local pode gerar resultados positivos. No entanto, é preciso ressaltar que essa luta não foi fácil e ainda há muitos desafios a serem enfrentados, já que um processo de regeneração urbana não se esgota nas medidas anunciadas.

Requalificar uma área tão importante para a história e cultura de Belo Horizonte exige um compromisso contínuo e ações concretas de todas as partes envolvidas. Espero que um termo de ajustamento de conduta seja assinado pela Prefeitura com o Ministério Público em breve. Só assim, o esforço dos últimos anos e dos anúncios recentes não serão em vão.

A requalificação urbana não pode ser alcançada apenas com ações isoladas do governo; é necessário um esforço conjunto e contínuo para transformar a realidade das áreas degradadas e promover o desenvolvimento sustentável.

Por isso, em ano de eleição a população deve estar atenta para escolher quem irá garantir que as políticas públicas sejam efetivas e atendam às reais necessidades não só da Lagoinha, mas de toda a cidade que anda tão abandonada.

* Esta coluna tem caráter opinativo e não reflete o posicionamento do grupo.
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