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Imagem: Marcelo Camargo / Agência Brasil

O Brasil é uma ditadura?

É certo que não somos uma democracia liberal ou uma democracia plena, mas isso não significa que somos uma autocracia (ditadura).


Augusto de Franco

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Augusto de Franco, analista político, é autor do livro Como as democracias nascem


Ao dizer que já vivemos em uma ditadura, os bolsonaristas (e outros atores com pouca intimidade com a análise política) não ajudam. É certo que não somos uma democracia liberal ou uma democracia plena, mas isso não significa que somos uma autocracia (ditadura). Somos, isso sim, um regime eleitoral em risco de entrar em transição autocratizante.

Por que é um problema dizer que somos uma ditadura? Porque aí não sobra alternativa senão tentar derrubar a ditadura. Numa ditadura não se pode mais confiar nas instituições, nem nos processos eleitorais. Está entendendo, caro leitor, o erro brutal dessa avaliação? Isso mata a política.

Se não somos uma democracia eleitoral ou plena, mas também não somos uma autocracia (um regime autoritário ou ditadura), como devemos classificar nosso regime político? Devemos classificá-lo pelo que ele é realmente: um regime eleitoral não-liberal e não autoritário; ou seja, uma democracia apenas eleitoral (como classifica o V-Dem) ou uma democracia defeituosa (como classifica a The Economist Intelligence Unit).

Regimes eleitorais não liberais e não autoritários, podem ser, entretanto, de dois tipos: podem ser democracias formais (como Portugal, Grécia ou Croácia) ou regimes eleitorais parasitados por populismos (como Bolívia, Honduras ou Brasil). Os primeiros têm possibilidade de entrar em transição democratizante (tornando-se democracias liberais ou plenas). Os segundos estão sob risco de entrar em transição autocratizante (seja paralisando o processo de democratização, seja decaindo para autocracias eleitorais ou fechadas - e aí, sim, virariam ditaduras).

Só podemos chamar de ditaduras os regimes não-eleitorais autoritários (as autocracias fechadas, como China, Coreia do Norte ou Cuba) e os regimes eleitorais autoritários (as autocracias eleitorais, como Hungria, Turquia ou Venezuela). O Brasil não se enquandra nesses casos. Ainda que estejamos mais próximos da posição 3 do que da posição 2 no diagrama abaixo:

Estar mais próximo da posição 3 do que da posição 2 já é grave o suficiente. Não precisamos arruinar a análise dizendo o que (ainda) não somos: uma ditadura.

Mas por que podemos dizer que estamos mais próximos da posição 3 (regime eleitoral não-liberal e não-autoritário em risco de transição autocratizante)?

São vários os fatores. Em primeiro lugar porque nosso regime político está parasitado por uma situação e uma oposição majoritária populistas. Pior, porque há uma polarização – que se tornou tóxica – entre dois populismos, ambos não-liberais ou iliberais: o lulopetismo e o bolsonarismo.

Em segundo lugar porque a reação do governo e da suprema corte às tentativas de golpe bolsonarista, ocorridas no período 2019-2022, estenderam medidas de exceção, até certo ponto justificáveis no passado, para o período 2023-2026 (e talvez até além). Em especial o STF, o TSE e outras instituições do Estado e do governo, atuam como se o risco de um golpe de Estado estivesse agora permanentemente presente para justificar uma atuação hard ball (que força os limites do que seria aceitável em uma democracia).

Para citar um exemplo recente, Luis Roberto Barroso, presidente do STF, acaba de afirmar que o inquérito (sigiloso) das fake news, aberto em 2019, não vai terminar. Será prorrogado em 2025. Disse ele que isso é "necessário e indispensável para enfrentar o extremismo no Brasil". Como não há no horizonte o risco de uma nova tentativa de golpe, é lícito inferir que ele estava falando das eleições de 2026. Sim, o inquérito das fake news vai para a sexta temporada (em 2025). Difícil não ter uma sétima (em 2026, ano eleitoral).

Outro exemplo é a saliência política da justiça eleitoral. A justiça eleitoral de Goiás tornou Caiado inelegível por 8 anos. Cabe recurso. Mas se as instâncias superiores não reformarem a decisão, ficará a suspeita de que o mesmo poderá ser feito com Tarcísio, Ratinho, Zema, Eduardo Leite e quem mais aparecer. Seria um modo (ou um “método”) de colocar o Brasil livre do golpe...

Eis-nos, portanto, diante de uma nova definição de golpe de Estado. Qualquer coisa que impedir ou dificultar a eleição de Lula ou de alguém que ele indicar. Por isso, estaremos em estado de exceção até 2026. O governo do PT, o STF e a imprensa chapa-branca estão alinhados nessa interpretação.

E aqui aparece, em terceiro lugar, um novo fator. Ao longo da história tivemos supremas cortes que nunca contrariavam o governo e meios de comunicação sempre favoráveis ao governo. O que há de novidade agora é que temos uma suprema corte e meios de comunicação que não estão apenas alinhados ao governo, mas que – para todos os efeitos práticos – objetivamente fazem parte do governo. Nenhuma democracia resiste muito tempo a esse tipo de relação incestuosa entre poderes e instituições que deveriam proteger direitos políticos e liberdades civis, não restringí-los.

É bom observar os sinais. E não desprezar os sinais fracos. Quando jornalistas - em número significativo - se transformam em propagandistas, é sinal de que alguma mudança está em curso nos intestinos do regime político.

Em quarto lugar, nem seria necessário citar, a posição antidemocrática do governo Lula no cenário internacional. O governo brasileiro não defende a Ucrânia invadida e sim o invasor Putin; não defende a democracia liberal de Taiwan ameaçada pela China, mas apoia a ditadura chinesa; não critica a teocracia do Irã por atacar a democracia de Israel via seus grupos terroristas (Hezbollah, Hamas, Houthis, milícias xiitas no Iraque e na Síria – e o próprio governo da Síria antes de Assad ser derrubado etc.), mas acusa o agredido de genocídio; não condena o ditador Maduro por roubar as eleições e nem reconhece a vitória legítima de Edmundo González por mais de 60% dos votos; e, por último, se alinha ao eixo autocrático (Rússia, China, Irã etc.) – via BRICS ou Sul Global – contra as democracias liberais.

Executivo populista (com orientação contra-liberal e alinhando o Brasil ao eixo autocrático); Judiciário agigantado, sem controle externo e imune aos freios e contrapesos institucionais, usurpando funções do Legislativo e se metendo até em atribuições do Executivo; meios de comunicação profissionais passando a compor, organicamente, o sistema de governança do Executivo e a defender a atuação de exceção de um poder Judiciário, agora composto, em parte, por militantes (infectados pela ideologia da “democracia militante” que legitima medidas autoritárias desde que, supostamente, para defender ou “salvar” a democracia) – eis um resumo dos fatores que colocam o regime político brasileiro em risco real de transição autocratizante.

* Esta coluna tem caráter opinativo e não reflete o posicionamento do grupo.
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