Você já deve ter ouvido falar que as mulheres criaram a cerveja, certo? Mas a relação entre criadoras e criatura não para por aí. Na Idade Média as mulheres eram responsáveis pelas produções cervejeiras nas casas e fazendas. As cervejas produzidas por elas eram tão boas que em vários lugares viraram referência, viajantes e comerciantes escolhiam os onde iriam pernoitar levando em conta as boas cervejas dessas localidades. Essas mulheres eram conhecidas, principalmente no Reino Unido, por Ale Wives, e foi a partir das casas dessas cervejeiras, que passaram a oferecer também estadia, que surgiram as Public Houses, que deram origem aos PUBs.

Continuando, foi outra mulher, Hildegard Von Bingen, uma uma monja beneditina, teóloga, compositora, naturalista, médica informal, poetisa e escritora alemã, que fez e documentou os primeiros estudos do uso do Lúpulo na cerveja, foi a primeira pessoa que descreveu cientificamente as qualidades de conservante natural da bebida, a partir desse momento que o uso do lúpulo na produção cervejeira se consolidou.

Mas e hoje, como anda a participação das mulheres na produção e no mercado dessa bebida?

A Partir da revolução industrial a produção se industrializou e os homens passaram a ser maioria nesse meio. Nos dias de hoje são poucas mulheres que estão à frente das empresas do meio, infelizmente. Mas, aqui em Minas, temos uma história muito interessante, de duas mulheres que nos enchem de orgulho.

São a Dra. Luciana Brandão e a Dra. Beatriz Borelli, a Lu e a Bia, sócias do Laboratório da Cerveja, a primeira empresa de Minas Gerais especializada em controle de qualidade da cerveja e produção de levedura líquida para cervejaria. Luciana é bióloga de formação com mestrado, doutorado e pós-doutorado em microbiologia, é também cervejeira caseira e Sommelier de Cervejas formada pela Academia Barbante com chancela da Doemens, sediada em Munique. Bia também é bióloga, doutora em microbiologia e em seu pós doutorado trabalhou com a produção de uma cerveja que utilizava levedura brasileira em escala industrial.

A história de sucesso e de amizade começou nos laboratórios do ICB, Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, quando a Bia fazia doutorado, estudando as populações de leveduras e bactérias que influenciavam as características sensoriais do Queijo Minas Artesanal, e a Lu era estagiária de Iniciação Científica da Bia. E olha que interessante, esse estudo sobre os microrganismos do queijo ajudava os produtores a melhorarem as técnicas e processos das suas queijarias. Após anos de estudo veio o primeiro contato com o mundo da cerveja, no ano de 2016, em um outro estudo da Universidade que tinha relação com o tema. Após esse primeiro contato as duas biólogas se especializaram nas áreas de produção, microbiologia da cerveja e controle de qualidade.

Foto: Heberth Nunes

O Laboratório da Cerveja começou como um projeto e extensão da UFMG e foi evoluindo até que, em 2018, a Lu e a Bia participaram de um processo de aceleração de negócios de biotecnologia e se tornaram uma empresa. As duas pesquisadoras, com uma grande visão empreendedora, encontraram no mercado a oportunidade de atuar no controle de qualidade das cervejarias.

Quase nenhuma cervejaria artesanal tem condições de ter um laboratório específico para fazer análises cientificas dos seus produtos, além disso o conhecimento adquirido com muitos anos de estudo permite com que elas consigam oferecer essas análises e levar para as cervejarias muitas soluções de melhoria dos processos.

Outra oportunidade que elas enxergaram foi a de atuar no fornecimento de levedura líquida para as cervejarias, suas produções em meio líquido apresentam uma viabilidade incrível e isso resulta em um processos de fermentação das cervejas otimizado com um produto final de muita qualidade. Em uma cervejaria o processo de fermentação pode acarretar muitos problemas sensoriais na bebida, isso significa que uma fábrica que utiliza leveduras de má qualidade irá produzir cerveja com sabores e aromas não desejados. As leveduras do Laboratório da Cerveja são frescas, estão em plena atividade de fermentação e agregam muito na qualidade das cervejas.

Conversando com essa mulheres incríveis, ficamos sabendo que várias cervejarias de todo o país enviam para elas amostras dos seus produtos para que elas realizem as análises físico-química e biológica, elas são referências nacionais. Elas sentem falta que mais cervejarias mineiras as procurarem para esse serviço de controle de qualidade,e é verdade, nossas cervejarias precisam aproveitar essa oportunidade de analisar com critério a qualidade dos seus produtos.

Um outro fato interessante, as melhores cervejarias mineiras compram leveduras com elas. Conversando com o pessoal dessas fábricas, todos, sem exceção, elogiaram o trabalho de fornecimento de leveduras, além disso eles contaram que o atendimento que elas proporcionam não para por aí, elas fazem um acompanhamento contínuo das melhorias nos resultados, analisando também as necessidades das fábricas, isso é um grande diferencial da empresa, as cervejarias continuam sempre melhorando suas produções.

Hoje já são centenas de cursos e palestras ministrados em vários lugares do Brasil e todo esse conhecimento aliado à uma dedicação incrível promete ainda mais sucesso a essas doutoras. Elas têm turmas regulares do curso de produção de cerveja caseira, a cada dois meses é possível aprender a fazer cerveja com elas, mas é bom acompanhá-las no Instagram pois as vagas desses cursos esgotam muito rápido.

Agora, um pouquinho de spoiler, elas têm a chancela da UFMG para comercializar leveduras pesquisadas em conjunto com a universidade, que são nativas do Brasil, e em breve essas leveduras estarão em uma cervejaria mineira para serem produzidas em maior escala, para o público consumidor.