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Imagem: Reprodução/Twitter/RealDonaldTrump

A "estrondosa" vitória de Trump

Será que o triunfo do republicano foi mesmo arrasador?. Coluna analisa.


Augusto de Franco

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Augusto de Franco, analista político, é autor do livro Como as democracias nascem


Todo mundo falando da estrondosa vitória de Trump. Estrondosa! Repita: estrondosa! Mais uma vez: estrondosa! Ora, pelos últimos resultados que vimos, Trump venceu Kamala, no voto popular, por 3% dos votos. É isso mesmo? Se for, não foi tão estrondosa assim sua vitória. Foi um resultado compatível com um país polarizado.

Estrondosa foi a vitória de Ricardo Nunes sobre Guilherme Boulos na cidade de São Paulo, por quase 20% dos votos no segundo turno. Estrondosa foi a vitória de João Campos em Recife no primeiro turno com quase 80% dos votos.

Comentaristas políticos repetem as mesmas explicações inconsistentes para a vitória de Trump. Vamos então começar, na contra-mão da caixa de ressonância da imprensa, dizendo O QUE NÃO FOI essa vitória.

1 – Embora isso tenha ocorrido, não foi, fundamentalmente, uma deficiência de marketing eleitoral, uma dificuldade de falar com o homem adulto branco pouco escolarizado. O problema não é principalmente eleitoral e sim político mais geral.

2 – Embora isso tenha ocorrido, não foi, de modo significativo, uma rejeição à política identitarista (woke) com a qual Kamala esteve identificada no passado (quando disputou as primárias do partido Democrata em 2019). Embora ela tenha errado ao não se dispor a negar, com mais vigor, os fundamentos antidemocráticos (e eleitoralmente suicidas) dessa política.

3 - Não foi uma vitória da democracia porque o povo manifestou livremente e expressivamente sua vontade. Populistas como Trump sempre têm grande audiência popular e isso não quer dizer que estejam certos do ponto de vista da democracia. Frequentemente estão errados. A maioria do povo, não raro, escolhe errado e só o cretinismo eleitoreiro não nos permite ver isso.

4 - Alguns alarmistas que se opõem a Trump vaticinam que agora a democracia americana acabou com a eleição de um extremista. Ora, Trump não é um extremista que vai dar um golpe fulminante na democracia americana. O problema não é o extremismo e sim o populismo e a autocracia. Ele vai erodir, lentamente, os sistemas de freios e contrapesos que ainda funcionam, mantendo a polarização e a divisão do país.

Mas o que aconteceu? Vamos falar então sobre O QUE FOI a vitória de Trump.

1 – Foi um sinal de uma crise da democracia americana que é mantida, fundamentalmente, pela cultura democrática da sociedade. Se essa cultura não foi capaz de evitar a eleição de um populista, truculento e ilberal, então há aqui realmente um problema.

2 – Foi um indicador de que grande parte da população americana perdeu a confiança nas instituições tradicionais da democracia (corporações, forças armadas, universidades, tribunais, imprensa etc.). E então resolveu apostar em alguém disposto a dar um curto-circuito no establishment.

3 - Foi um episódio da segunda guerra fria que já se instalou nos EUA, sob a terceira grande onda de autocratização que começou com este século. A segunda guerra fria – ao contrário da primeira, que opunha blocos geograficamente demarcados – é um conflito fractal que pervade todas as fronteiras instalando polarizações que dividem as sociedades nacionais. Sem essa polarização Trump dificilmente teria vencido.

Trump não deixa de ser um populista-autoritário (e, portanto, um adversário da democracia liberal), um escroque e um boçal, só porque teve pouco mais de 70 milhões de votos. Impressionante o eleitoralismo e a rendição à realpolitik de nossos comentaristas políticos.

O fato de Trump ter vencido no voto popular, no colégio eleitoral, na câmara e no senado e de ter maioria na suprema corte, não significa que Trump não seja um perigo. Pelo contrário, ele representa agora um perigo muito maior. Sete riscos devem ser considerados:

1 - Destruição da Ucrânia como nação independente, com o fim do fornecimento, pelos EUA, de recursos financeiros, armas e munições, para resistir à invasão militar do ditador Vladimir Putin.

2 - Desarticulação da coalizão das democracias liberais, na qual tanto investiu, corretamente, Joe Biden.

3 - Enfraquecimento da União Europeia e da OTAN, com o apoio declarado ou velado a agentes do eixo autocrático que tentam dinamitá-las por dentro ou por fora, como Orbán (autocrata que governa a Hungria) e Erdogan (idem a Turquia).

4 – Maior insegurança para os países bálticos (Lituânia, Letônia e Estônia), para Georgia (incluindo Ossétia do Sul e do Norte), Moldávia, Suécia, Finlândia e até para a Polônia.

5 – Ascensão (ou volta) ao poder de populistas-autoritários no mundo todo, que se sentiram reanimados com a vitória de Trump (Bolsonaro no Brasil, Ventura em Portugal, Abascal na Espanha, Wilders na Holanda, Alice Weidel e Tino Chrupalla na Alemanha, Salvini na Itália, Le Pen na França, Rica Purra na Finlândia etc.).

6 - Desarticulaçao das políticas de desenvolvimento sustentável do planeta (uma vez que Trump é um negacionista das mudanças climáticas).

7 - Ameaça ao modo de vida democrático da sociedade americana, na medida em que, ao que tudo indica, Trump não vai pacificar o país e sim continuar investindo na polarização para tentar implantar, pelo menos em parte, o projeto dito conservador, mas no fundo reacionário, da The Heritage Foundation, intitulado “Project 2025: Mandate for Leadeship”. Esse é um projeto de exterminação da democracia liberal americana e de transformação dos EUA numa república oligárquica e aristocrática (quase uma monarquia presidencialista). Confira: https://static.heritage.org/project2025/2025_MandateForLeadership_FULL.pdf

Nada disso significa que todas essas sete ameaças vão se concretizar. Mas que aumentou o risco, isso aumentou. Será possível que as pessoas não vejam isso?

Sim, é possível. Porque há também outro cretinismo, além do eleitoreiro, já mencionado acima, que não nos permite ver com clareza o que está acontecendo: o cretinismo da polarização esquerda x direita. Então a pessoa é contra a esquerda brasileira, que apoiou Kamala e, por uma reação simétrica, acha que seu papel é apoiar Trump, ou pelo menos contemporizar com ele, não percebendo que o governo Biden jamais poderia ser enquadrado como pertencente à esquerda populista, como a lulopetista, que apoia Putin, acha que Zelensky é nazista e se alinha ao eixo autocrático (Rússia, Bielorrússia, China, Coreia do Norte, Irã, Síria, Venezuela, Cuba, Nicarágua etc.) contra as democracias liberais.

É aí ficam se iludindo e pensando assim: quem sabe tudo aquilo que Trump declarou, todos os ataques à democracia, todas as ameaças de vingança contra adversários políticos, todas as falas homofóbicas e racistas, todas as promessas de expulsar milhões de pessoas, não passava de mera retórica inflamada para fins eleitorais, sem maiores consequências práticas?

Veremos em breve.

* Esta coluna tem caráter opinativo e não reflete o posicionamento do grupo.
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