Uma mudança lenta e progressiva está em curso no nosso regime político. Não tem nada a ver com um golpe, sobretudo à moda antiga, como o que pretendeu Bolsonaro. É um fenômeno de outra natureza. Há muitos sinais fracos e alguns sinais fortes de que isso está acontecendo.
Vamos citar apenas três sinais, da última semana, de que estamos enveredando por caminhos avessos à democracia liberal – no caso, ao querer restringir a liberdade de expressão:
Ricardo Lewandowski, ex-ministro do STF e atual ministro da Justiça, assegurou, contra a Constituição, que discursos de parlamentares não têm imunidade em crimes contra a honra.
Dias Toffoli, do STF, declarou em seu voto de relator da regulamentação das mídias sociais, que "liberdade de expressão absoluta protegeria PM que jogou homem de ponte e o marido que bate na mulher dentro de casa".
O Diretor-Geral da Polícia Federal afirmou que a imunidade parlamentar não pode ser absoluta, pois isso permitiria que deputados subissem à tribuna para vender drogas e crianças.
Numa democracia plena isso seria considerado uma afronta ao parlamento - a instituição por excelência da democracia - e à Constituição. Seria demitido ou, no mínimo, advertido.
A Polícia Federal está numa encruzilhada. Deveria manter sua autonomia como órgão de Estado. Do contrário, subordinada às vontades de um governo e de um partido, corre o risco de virar uma polícia política. Se isso acontecer, acelerará o processo de autocratização da nossa democracia.
O fato é que há um processo em curso de autocratização do regime político brasileiro, que não é uma ditadura (e sim um regime eleitoral não-autoritário, mas também não-liberal, parasitado por populismos). Regimes eleitorais parasitados por populismos sempre estarão em risco de transição autocratizante.
Isso se dá por caminhos que não são bem captados pela chamada ciência política, como a hipertrofia do judiciário e sua atuação em conluio com o executivo. Tudo sob o pretexto de combater ataques ao Estado democrático de direito (e, agora, ao golpe de Bolsonaro, que embora tenha sido intentado em 2022 está sendo esticado - com o auxílio de canais de TV alinhados ao governo - para durar até 2026). Golpe passará a ser, segundo tal versão, qualquer ameaça eleitoral à reeleição de Lula ou de alguém indicado por ele.
É bom ficar de sobreaviso. Movimentos desse tipo sempre começam com restrições à liberdade de expressão. Depois avançam sobre outras liberdades civis e sobre direitos políticos.