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Imagem: X/Divulgação

A questão é a censura prévia


Augusto de Franco

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Augusto de Franco, analista político, é autor do livro Como as democracias nascem


Comecemos com uma pergunta. Se Starlink e X são a mesma organização, tanto que se pode expropriar recursos da primeira para pagar multas da segunda, então por que o representante legal da primeira não pode ser considerado representante legal da segunda?

Resposta. Qualquer representante que não cumprir a ordem (ilegal) de remover perfis seria ameaçado de prisão e teria suas contas bancárias bloqueadas. Se o representante da Starlink valesse como representante do X, seria o fim da Starlink no Brasil - o que complica, porque até o Exército Brasileiro usa essa conexão de internet.

Parece óbvio que o que está em jogo aqui é outra coisa: é a censura prévia, ou seja, a remoção (preemptiva) de perfis (e não de conteúdos ilegais, o que seria legal). É o pré-crime: um crime que pode ser cometido no futuro pelo usuário "fascista". Por isso, ele – a sua pessoa, não um seu eventual post ilegal – precisa ser removido.

Qual a exigência legal para a volta do X além de pagar as multas? Bem... As multas já foram pagas com a expropriação de recursos da Starlink, encarada por Alexandre de Moraes como pertencendo ao “mesmo grupo econômico” que é dono do X. Então o que falta agora? Musk teria de nomear um representante legal do X no Brasil. Mas vamos que ele faça isso e se recuse a bloquear perfis por considerar tal medida ilegal, só aceitando excluir posts. Então, no outro dia, o Alexandre poderá bloquear as contas bancárias do novo representante e emitir um mandado de prisão contra ele.

Não tem saída. A não ser que o X concorde em remover perfis. Mas será que isso é legal?

Toda decisão jurídica discricionária pode ser julgada legal por quem julga, sobretudo se julga em última instância. Sempre haverá como validar qualquer arbitrariedade em nome da lei-interpretada e de teorias jurídicas, ainda que abstrusas. Por isso, Estado de direito não é sinônimo de democracia. Porque império da lei pode acabar indistinguível de império de quem interpreta a lei. Não se pode esquecer que as decisões de Adolf Hitler eram legais aos olhos dos juristas aliados ao regime nazista. Tudo que o Führer fazia era perfeitamente legal naquele mundo jurídico.

Enquanto isso, o X permanece funcionando em todas as democracias da Terra. Menos no Brasil. Só está proibido nas seguintes ditaduras: Rússia, China, Irã, Mianmar, Coreia do Norte, Turcomenistão e Venezuela. E no Brasil.

Não há como explicar.

O STF não parece mais um tribunal constitucional. Quando atacado por tomar medidas constitucionalmente duvidosas, seus membros se defendem apelando ao espírito de corpo, como se pertencessem a um sindicato. Quando ataca os “fascistas”, se comporta como um partido político. Essa disfunção jamais seria possível em uma democracia liberal. E mesmo numa democracia eleitoral, não-liberal e não-plena, como a nossa, não há a menor chance disso acabar bem.

Infelizmente, os membros do STF têm pouca intimidade com o assunto. Podem apostar que não sabem distinguir uma democracia liberal de um regime eleitoral não-autoritário e não-liberal. O STF aceita o Estado de direito com poder de moderar nosso regime eleitoral. Mas não aceita a democracia liberal. Uma democracia liberal não é definida pela capacidade do Estado de se impor pela força à sociedade e sim justamente pelo contrário: pela possibilidade da sociedade de controlar o governo. Mas vá-se lá dizer-lhes!

Não pensem que a ausência de protestos imediatos, nas instituições e nas ruas, contra medidas autoritárias - como a suspensão do X, mas não só - significa que está tudo bem e que logo as arbitrariedades cairão no esquecimento coletivo. Está se acumulando uma massa imensa de ressentimento nos subterrâneos, que virá à tona em algum momento.

Não quero fazer profecias, até porque sei que a profecia costuma ser letal (para o profeta). Mas é possível que, algum dia, tenhamos uma nova versão de 2013, com multidões novamente tomando as ruas indignadas com “o sistema”.

* Esta coluna tem caráter opinativo e não reflete o posicionamento do grupo.
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