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Imagem: Jose Cruz/Agência Brasil

A vocação do PT é voltar a ser oposição, mas ele ainda não sabe disso


Augusto de Franco

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Augusto de Franco, analista político, é autor do livro Como as democracias nascem


A essa altura do campeonato o PT já percebeu que Lula ou alguém indicado por ele (como Haddad) têm grandes chances de perder a eleição presidencial de 2026, não conquistará maioria na Câmara dos Deputados, continuará minoria no Senado, nas Assembleias Legislativas e nos governos estaduais (como já é nas Câmaras de Vereadores e nos governos municipais).

Os dirigentes mais experientes do PT perceberam mais. Zé Dirceu, por exemplo, na aula inaugural do curso História e Política III da Fundação Perseu Abramo, declarou o seguinte. "Do ponto de vista histórico, há um esgotamento do movimento que nos levou ao governo em vários países, particularmente aqui no Brasil... Para continuar no governo nós temos que construir novas bases de alianças e novas bases sociais".

Ele está certo. Mas essa reconstrução é muito difícil, para não dizer impossível, considerando que o PT é minoria também nas mídias sociais (a nova arena caótica da disputa política), nas ruas e... nas urnas!

Lula, sempre alinhado às visões mais ideológicas que remanescem nos porões do partido - visões estatistas, anti-imperialistas na vibe da guerra fria do século 20, que ainda alimentam o culto às ditaduras de esquerda (como a cubana), que priorizam a igualdade socioeconômica em detrimento da liberdade (ou seja, da igualdade política), enfim, visões contra-liberais - ainda que, por aguçado instinto político, esteja pressentindo tal debacle, não realizou completamente a descoberta.

Pode-se dizer que, no médio prazo - ou talvez no curto - a vocação do PT é voltar a ser oposição. Mas o partido ainda não sabe disso. E então insiste em acelerar no mesmo rumo.

É como se os petistas dissessem: se não pudermos ganhar na disputa democrática normal, vamos vencer de qualquer jeito - no tapetão (STF) ou usando a máquina política do Estado (os órgãos do governo) para impedir as oposições de crescer, cortando-lhes o oxigênio.

De repente o PT deixou de repetir seu mantra preferido dos últimos trinta anos: o "controle social das mídias". O partido se referia, é claro, às mídias tradicionais (jornais, revistas, rádios e, sobretudo, TVs). Agora, achando que já anexou a sua pequena "Taiwan" (a Globo News), mudou de mantra. A palavra de ordem principal passou então a ser a "regulação das mídias sociais".

A regulação das mídias sociais virou uma questão de vida ou morte para os populistas de esquerda (lulopetistas e afins). Hoje é um assunto mais importante do que colocar o Brasil no rumo do desenvolvimento sustentável, mais decisivo do que a redução das desigualdades socioeconômicas.

Com efeito, se não fossem alguns meios de comunicação profissionais (sobretudo televisivos) - que resolveram abandonar o jornalismo para virar propagandistas oficiais - o governo Lula já estaria com níveis bem mais baixos de aprovação. Não é difícil comprovar. Sim, se dois ou três canais de TV resolverem fazer jornalismo novamente (nem precisa ser na linha Millôr Fernandes, que dizia que “jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”), o governo Lula não se sustenta (mesmo com a ajuda do STF).

Se deixarem, a maluquice ideológica vai crescer. A AGU de Lula vai incrementar seu movimento insano, cujo sentido (mesmo que eles ainda não saibam) é banir as mídias sociais imperialistas do Brasil. Vai buscar, com afinco, a sua retropia de um mundo sem bigtechs e sem techs estrangeiras. Nada de Facebook, Instagram e Threads (de quebra, proibir também o WhatsApp - pois é tudo Meta, do odiável Zuck, urgh!). Nada de Telegram (pois aquele Durov é suspeitíssimo). Nada de X (do malvadão Musk, por óbvio). E, depois, nada também de TikTok (sobretudo se for vendido a uma bigtech).

Se deixarem, o governo vai chamar o Marinho (sim, aquele mesmo que sugeriu que os Correios fizessem um aplicativo para substituir o Uber) para abrir uma licitação com o objetivo de produzir dois aplicativos nacionais: um de mídia social e outro de programa de mensagens. Tudo seria, de preferência, estatal - pois o que está em jogo aqui é nada menos do que a nossa soberania. Ou de alguma empresa muito amiga (por que não a JBS ou outro "campeão nacional"?). Ou, ainda, dar essa tarefa à rede suja do PT (Brasil247, DCM, Opera Mundi, Revista Fórum, ICL et coetera). Aí nem a tal regulamentação seria mais tão necessária.

Ora, ora... Já aprendemos essa lição com George Orwell (em 1949, na sua magistral distopia “1984”). Se você quer erigir um sistema de poder a primeira providência é construir inimigos que ameacem a soberania nacional (da Oceânia). O inimigo é a Eurásia (Musk, X). O inimigo é a Lestásia (Zuck, Meta). Perceber isso nada tem a ver com aprovar ambos.

Aqui chegamos. O Brasil continua sendo uma democracia (embora não liberal), mas estamos vivendo um inequívoco processo de autocratização (em nome da defesa da democracia). É um típico cenário orwelliano. Isso muda tudo.

Há várias maneiras de lutar para mudar um regime político democrático. As duas principais no Brasil, adotadas, respectivamente, pelos populismos de direita e de esquerda, são: 1) tentar dar um golpe de Estado e destruir as instituições - é a via “alopática”, desejada pelos bolsonaristas; 2) tentar conquistar hegemonia sobre a sociedade e ocupar as instituições, se delongando no poder para alterar, por dentro, o "DNA" da democracia - é a via, "homeopática”, praticada pelos lulopetistas. O problema dessa segunda via é que ela exige muito tempo. Requer permanecer no governo por vários mandatos (no mínimo por mais 10 anos, como propôs Dirceu). E esse tempo não existe mais.

* Esta coluna tem caráter opinativo e não reflete o posicionamento do grupo.
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