Opinião

  1. Notícias
  2. Opinião
  3. Um código democrático para jornalistas
Imagem: Shutterstock

Um código democrático para jornalistas


Augusto de Franco

Notícias

Augusto de Franco, analista político, é autor do livro Como as democracias nascem


Este artigo é um esboço de proposta de código democrático para jornalistas. Talvez ajude. Talvez não. De qualquer modo, um conteúdo desse tipo deveria ser matéria obrigatória nos cursos de jornalismo.

A função principal do jornalismo numa democracia é vigiar o poder, não ajudá-lo a se salvar (ou tentar salvá-lo de si mesmo); não ficar dando conselhos ao governo para não errar (para não ajudar as oposições), muito menos passar pano para seus erros ou investir na polarização atacando aqueles que um governo de turno elege como inimigos principais.

Por que? Porque democracia (em qualquer concepção não-iliberal) não é propriamente sobre governo e sim sobre controlar o governo. Seja qual for o governo. E a chamada imprensa cumpre papel fundamental nesse sentido quando entende e leva à prática a conhecida máxima do saudoso Millôr Fernandes (“Jornalismo é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”). Em suma, o jornalismo democrático jamais pode ser colaboracionista.

Ninguém precisa concordar com o que proponho aqui, mas creio que, com mais de meio século de atividade política – contra a ditadura e, depois, pela democracia –, tenho algumas credenciais para fazer isso. Mas advirto de antemão que não sou do “sindicato”, no sentido amplo do termo; embora também tenha publicado frequentemente na grande imprensa e participe como comentarista em programas de TV e rádio, não sou jornalista profissional, mas apenas um escritor – sem qualquer restrição de caráter corporativo para criticar e sem obrigação “ética” de defender a categoria.

ESBOÇO DE CÓDIGO

Neste código a palavra jornalista designa também, sempre que for o caso, colunistas, comentaristas e analistas que pontificam nos meios de comunicação profissionais.

1 – O jornalismo democrático tem como fundamento a liberdade. Onde não há liberdade de imprensa, com múltiplos sistemas alternativos de informação e análise disponíveis, não há democracia e sim ditadura. Um (a) jornalista não poderá defender ou deixar de denunciar restrições de direitos políticos e liberdades civis, venham de ontem vierem, em especial a censura sob qualquer modalidade ou pretexto.

2 –  Press releases e briefings oficiais não são notícia, a não ser depois de serem checados, questionados, contextualizados e cotejados com o que dizem as oposições sobre os temas em tela (considerando que numa democracia as oposições – desde que não descumpram as leis – devem ser reconhecidas e valorizadas como players fundamentais para o bom funcionamento do regime). Jornalistas não serão divulgadores de matérias plantadas por agentes governamentais e partidários, em especial se visarem a deslegitimar as oposições.

3 – Jornalistas não podem ser alto-falantes de fontes. Fontes não são provas de verdade. Jornalistas podem ter e cultivar suas fontes, mante-las no anonimato se necessário, mas não citá-las (mesmo sem nomeá-las) para corroborar a validade do que noticiam. Jornalistas devem saber distinguir fontes de “plantadores” profissionais de interpretações (considerando que existem partidos que destacam comissários, treinados ao longo de anos, para desempenhar essa função de “emprenhar pelo ouvido” jornalistas). Por medo de perder uma fonte, jornalistas não devem agradá-la, divulgando suas versões numa espécie de barganha para continuar tendo acesso a informações privilegiadas ou de primeira mão (“furos”).

4 – Apurações não podem se resumir a consultas às fontes. Toda apuração envolve necessariamente uma investigação independente do que asseveram as fontes, ouvindo sempre diversos pontos de vista sobre os temas.

5 – Um (a) jornalista deve manter espírito crítico em relação aos “consensos” formados nas “bolhas” dos seus colegas, profissionais de imprensa. Tais “consensos” não podem virar fatos ou substituir os fatos ou as notícias - sobretudo se desestimularem a observação imparcial e a análise isenta dos eventos de outros pontos de vista. Jornalistas não devem contribuir para que a imprensa se constitua como uma caixa de reverberação e de reprodução, repercutindo acriticamente as abordagens sobre os eventos que já fizeram jornalistas e analistas que tomam como referência.

6 – Bastidores de eventos jornalísticos não são fofocas ouvidas ou entreouvidas nos meios oficiais. O (a) jornalista não dará curso à divulgação de fofocas, nem será porta-voz de “balões de ensaio” que interessam ao poder.

7 – O (a) jornalista não deverá degradadar sua atividade profissional virando uma espécie de “cronista da corte” (seja governamental, judicial ou parlamentar).

8 – Jornalistas não devem ser teleguiados pelo celular, reproduzindo relatos ou interpretações que as “fontes” desejam que sejam divulgados, sobretudo quando estiverem no ar (em rádio, TV ou equivalentes).

9 – Um meio de comunicação profissional pode até, eventualmente, ser favorável a um governo, mas jamais pode aceitar ser parte orgânica do seu esquema de governança (atuando como departamento oficioso de comunicação ou assessoria informal de imprensa de um governo). Um (a) jornalista não deve se conformar a um posicionamento desse tipo, mesmo se adotado pela direção da empresa onde trabalha.

10 – O (a) jornalista não atuará, no exercício da sua profissão, como militante de uma causa (político-ideológica), usando um meio de comunicação como sua trincheira e acreditando que esse tipo de comportamento é eticamente justificável e democraticamente aceitável porquanto está lutando pelo bem contra o mal, pela democracia contra o fascismo, pelo povo contra as elites exploradoras, pelo progressismo contra o conservadorismo (ou o reacionarismo), pelos direitos humanos contra os abusos e violações, pela diversidade contra as discriminações de raça, etnia ou cor, de gênero, de orientação sexual etc.; ou, mutatis mutandis, vice-versa.

* Esta coluna tem caráter opinativo e não reflete o posicionamento do grupo.
Colunistas

Carregando...


Saiba mais