A Lagoinha, berço histórico de Belo Horizonte, tem sido palco de uma longa batalha entre o abandono e a potencial requalificação. Durante décadas, o bairro foi negligenciado, e o que um dia foi um polo cultural tornou-se sinônimo de degradação urbana. Recentemente, no entanto, surgiram sinais de transformação, como mencionado em meu artigo nesta coluna sobre habitação e zeladoria na região, resultado direto da pressão popular e da articulação com instituições independentes. A mais nova iniciativas é o Aquabox, inaugurado em dezembro de 2024.
O Aquabox simboliza um marco na região, não apenas pelo impacto imediato, mas também pela forma como conecta dignidade humana e requalificação urbana. A ideia, concebida pelo Instituto de Estudos do Desenvolvimento Sustentável (IEDS), liderado pelo meu amigoVilmar Sousa, reflete uma solução prática para um problema complexo: atender às necessidades de higiene e cidadania de pessoas em situação de rua, que ocupam a região em condições de extrema vulnerabilidade.
O papel transformador do Aquabox
O Aquabox oferece instalações modernas para higiene pessoal e lavagem de roupas, utilizando arquitetura sustentável com container. Este projeto é realizado pelo IEDS com o patrocínio do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Minas Gerais (CAU-MG), apoio da Prefeitura de Belo Horizonte e do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG). Mais do que atender às necessidades de higiene, o projeto promove dignidade e humanização para uma população frequentemente invisibilizada.
Essa iniciativa é ainda mais significativa no contexto da Lagoinha, onde os desafios sociais e urbanísticos se acumulam ao longo de décadas. Ao mesmo tempo, demonstra como soluções simples, mas bem planejadas, podem trazer transformações reais. O espaço do Aquabox, instalado no baixio do Viaduto Senegal, na Avenida Presidente Antônio Carlos, é organizado para atender até 40 pessoas por dia, previamente cadastradas, oferecendo banhos e lavanderia em um ambiente seguro e digno. O terreno é cedido pela Prefeitura de Belo Horizonte, que também assumirá as despesas de água e energia elétrica e garantirá a segurança do ambiente através da Guarda Civil Municipal. O Aquabox é um lembrete de que requalificar uma região não é apenas construir edifícios e infraestrutura urbana; é cuidar das pessoas que a habitam e frequentam.
A pressão popular e a concretização do projeto
A trajetória do Aquabox não foi simples. Em 2020, o projeto foi apresentado como uma solução emergencial durante a pandemia da COVID-19, mas esbarrou na burocracia. Mesmo diante dessas dificuldades, o IEDSmanteve a relevância da proposta e buscou apoio de outras instituições e da sociedade civil.
Em 2024, finalmente, a ideia saiu do papel, muito em razão da pressão exercida por moradores, organizações sociais e ações articuladas junto ao MPMG. Um acordo celebrado em maio entre o MPMG e o Município de Belo Horizonte garantiu,também, o acesso à água para pessoas em situação de rua, reforçando a importância de políticas públicas voltadas à dignidade e cidadania.A inauguração do Aquabox é mais um exemplo de como a participação popular e a mobilização institucional podem superar barreiras burocráticas e tornar possível o que antes parecia inalcançável.
O Aquabox é mais do que uma ação pontual; ele se alinha a um movimento maior de requalificação da Lagoinha, como evidenciado pelas diretrizes do Plano Diretor de Belo Horizonte e pelas ações recentes da Prefeitura. Sua concretização, reforça que, para a requalificação ser efetiva, é imprescindível colocar as pessoas no centro das ações. Enquanto projetos habitacionais e de infraestrutura ainda estão em fase inicial, o Aquabox é uma realidade que impacta diretamente quem mais precisa. Ele simboliza o potencial de uma região que não se deixou apagar pela negligência.
Uma reflexão necessária
O caso do Aquabox é um lembrete de que a requalificação de uma área como a Lagoinha exige soluções integradas, que combinem assistência social, infraestrutura e participação popular. Iniciativas como estamostram que é possível transformar histórias de abandono em exemplos de dignidade e solidariedade.
Se o Aquabox nos ensina algo, é que o caminho para uma cidade mais justa passa pela mobilização coletiva e pela exigência de políticas públicas que priorizem as pessoas. Quero aplaudir a iniciativa e parabenizar todos os envolvidos na esperança de queesse seja apenas o começo de um ciclo virtuoso de transformações em toda Belo Horizonte.