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Centro democrático? Sim, em 2030!

Ver o Brasil livre da polarização (lulopetismo) nos próximos dois anos é um sonho distante


Augusto de Franco

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Augusto de Franco, analista político, é autor do livro Como as democracias nascem


Claro que os democratas liberais devemos participar das eleições em quaisquer circunstâncias, mas nossa situação não vai mudar por um golpe de sorte eleitoral, elegendo um candidato liberal que corra por fora da polarização tóxica entre os populismos e vença a próxima disputa presidencial. 

A primeira pergunta é: como apareceria tal candidato? Só se, parodiando Charles Baudelaire (1857), n’As flores do mal, “por uma lei das supremas potências”... um democrata com alta visibilidade “surgir aqui neste mundo enfadado”.

Ganhar na loteria acontece, mas não é um plano sério para melhorar de vida. Sem um amplo movimento que fermente a formação de uma opinião pública democrático-liberal (ou seja, contra as autocracias e não-populista), não há saída. 

Todavia, coloca-se então uma segunda pergunta: quem promoverá tal movimento? Se não multiplicarmos o número de agentes democráticos capazes de impulsionar um movimento desse tipo, é quase como ficar esperando um milagre; quer dizer, uma intervenção das “supremas potências”. Multiplicar o número de agentes democráticos para articular um movimento como esse não se faz da noite para o dia. Leva tempo. Muito tempo.

Não é razoável imaginar que vamos conseguir libertar o país da polarização populista (lulopetismo x bolsonarismo) em menos de dois anos (ou cerca de dezoito meses, considerando que o lançamento de uma nova candidatura presidencial não-populista para o próximo pleito não poderia passar de meados de 2026). É mais realista supor que temos cinco anos para construir uma alternativa democrática (liberal, quer dizer, não-populista). Isso se começarmos agora. E se andarmos rápido, porque cinco anos é muito pouco tempo.

A polarização populista foi instalada, justamente, para impedir a formação de um centro de gravidade democrático-liberal na política brasileira, em torno do qual possam orbitar as demais forças políticas ditas de direita ou de esquerda, até de extrema-direita ou de extrema-esquerda. Mas a questão aqui é simples: onde não há um centro de gravidade liberal, não há democracia liberal. Tudo o que não querem os populistas – digam-se de direita ou de esquerda – é que o Brasil vire uma democracia liberal.

Não, o Brasil não é uma democracia liberal. Delas só há trinta e duas no mundo de hoje. Nas Américas, apenas sete: Canadá, EUA, Barbados, Costa Rica, Suriname, Chile e Uruguai. Somos um regime eleitoral que, conquanto não-autoritário (pois que não podemos ser classificados como uma ditadura) é também iliberal ou contra-liberal. Somos, ademais, um regime eleitoral parasitado por populismos, tanto no governo, quanto na oposição majoritária. Por delicadeza das instituições que monitoram os regimes políticos no mundo, como o V-Dem (da Universidade de Gotemburgo) e a The Economist Intelligence Unit, somos considerados ainda uma democracia, mas apenas eleitoral (isto é, não-liberal) e defeituosa (ou seja, não-plena).

Os populismos que dilaceram o país com a sua polarização estiolante farão tudo que puderem para não permitir a conformação de um centro democrático. Aliás, o neopopulismo lulopetista, mal terminada a eleição municipal de 2024, já começou a operar para evitar que os dois partidos mais centristas que sairam vitoriosos das urnas – o PSD e o MDB – tenham laivos de independência do governo e resolvam apostar numa candidatura própria. A campanha eleitoral de 2026 já começou e o jogo agora é pesado (dinheiro, cargos e chantagem – e depois tiro, porrada e bomba, porque sem Lula no governo o projeto do PT se esboroa) para que todos declarem, muito antecipadamente, apoio à quarta eleição de Lula (e a sexta do PT). Gilberto Kassab e Baleia Rossi equilibram-se, por enquanto, numa corda bamba sobre o abismo, mas dificilmente resistirão sem o apoio de um movimento democrático expressivo – a não ser que prorroguem seu horizonte estratégico para 2030.

A menos, é claro, que Lula, por algum motivo de força maior, seja impedido de concorrer em 2026 (pois em 2030 já será carta fora do baralho, por razões da finitude humana). Ou, ainda, a não ser que Lula perca ainda mais popularidade – caso, porém, em que será abandonado sem qualquer cerimônia por todos os partidos que não são satélites do PT e que hoje compõem a sua base no Congresso.

De qualquer modo, não bastam lideranças e partidos dispostos a construir uma alternativa de centro democrático. É preciso um movimento político com enraizamento social. E, para tanto, como foi dito, é necessário um número crítico de agentes democráticos que se dediquem a essa tarefa. PSD e MDB, assim como o moribundo PSDB e o vacilante e minúsculo Cidadania, não dispõem desses agentes, nem têm vontade de fazer isso. Até porque não compreendem bem essa necessidade. 

O PT, ao contrário, entende perfeitamente. Basta assistir as entrevistas de José Dirceu (inclusive a última, concedida a Roberto D’Ávila) para comprovar isso. Ele sabe que se o PT não se enraizar nos territórios das pequenas e médias cidades e nas periferias das grandes cidades, não se recuperará da debacle eleitoral de 2024 e das outras que virão (se providências enérgicas não forem tomadas). Agora que vão entregar mais uma vez o PT nas mãos desse autocrata (formalmente, diga-se, pois informalmente os dirigentes petistas da corrente majoritária nunca sairam da sua esfera de influência) é preciso prestar atenção ao que ele diz. Como a imprensa e os partidos até hoje entenderam quase nada do PT, cairão na arapuca "pragmática" que está sendo montada por ele. Perspectiva (ou expectativa) de poder, ele vai dizer, é com a gente mesmo; e só com a gente.

Claro que 2030 passa por 2026. E que se deve fazer o possível em 2026. Desde que a comichão de jogar todas as fichas na loteria do calculismo eleitoreiro de curto prazo não nos desvie das tarefas estratégicas cujo horizonte, queiramos ou não, salvo um acontecimento extraordinário, já vai se deslocando para 2030.

Não somos idiotas. Não se trata de abrir mão de 2026 e sim de começar hoje, no final de 2024, a construir as condições para uma vitória futura, que não cairá do céu, por mais favoráveis que nos sejam aquelas “supremas potências” de Baudelaire. Sem isso, nem em 2030.

* Esta coluna tem caráter opinativo e não reflete o posicionamento do grupo.
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