Fui pega de surpresa numa sexta feira à tarde quando, brincando no chão com minha filha de pouco mais de dois anos e meio, escutei a seguinte frase:
- Mamãe, adulto chora bem baixinho né?!
Estávamos brincando de bonecas e uma de “nossas filhas” chorava muito e bem alto.
Fiquei alguns segundos sem saber o que dizer diante da constatação dela, que veio em forma de pergunta.
E acabei concordando.
- É verdade filha. Normalmente os adultos choram baixinho mesmo.
E naquele momento fui transportada para vários outros momentos da minha vida.
Como que num flash, cenas, sentimentos e questionamentos começaram a vir à tona.
Lembrei dos inúmeros choros contidos que acolhi em meu consultório de psicologia. Choros de adultos que, imediatamente, se DESCULPAVAM por estar cometendo “aquele ato tão imperdoável”.
Lembrei da criança que eu fui um dia. Muito sensível. Chorona. Que tinha até o apelido de “manteiga derretida” em casa.
Lembrei das tantas e tantas vezes em que “engoli o choro” por não sentir que seria acolhida, aceita e compreendida.
Lembrei das inúmeras vezes em que segurei o choro para não decepcionar as pessoas que eu mais amava e que, por algum motivo, me passaram a ideia de que chorar era sinal de fraqueza e que isso não era nada bom.
E agora, em tempos de redes sociais, onde a “Felicidade Plena” das selfies invade as telas do nosso cotidiano, a tristeza e o choro ficam ainda mais inaceitáveis.
Na minha experiência como psicóloga clínica há quinze anos e como mãe há quase três, descobri que se tem uma coisa que nos distancia dos nossos filhos, das pessoas e de nós mesmos, é vivermos sem congruência.
Pior ainda! É exigirmos de nossos filhos que também vivam sem congruência.
Ser congruente significa estar verdadeiramente no momento presente e em plena conexão com o que se sente, pensa e faz.
E TUDO BEM, se neste momento eu estiver triste, decepcionada, com raiva ou frustrada com algo ou comigo mesma.
E TUDO BEM se eu precisar chorar para elaborar o que vier.
Sempre me pergunto, DE ONDE FOI QUE SE TIROU ESSA IDEIA MALUCA DE QUE SENTIR É ERRADO. DE QUE CHORAR É ERRADO?
Fico impressionada toda vez que me deparo com uma criança chorando na rua, no parque, na praça ou num clube.
A ação de um adulto é imediata! (O que, por um lado é bom, porque o choro sinaliza que algo não está indo bem com a criança).
Até aí tudo bem!
Mas o que me intriga é a PRESSA desses adultos em calar o choro a qualquer custo (e sei que fazem isto com a melhor das intenções!).
Buscam distrações imediatas; dizem que não foi nada ou que o motivo daquele choro é uma bobagem; exigem que o choro pare em três segundos (1, 2, 3...) e por aí vai...
Pode ser que você se identifique com estas ações, sabe por que?
Provavelmente porque foi assim que fizeram com você quando criança e foi assim que você aprendeu a lidar com esses momentos.
Mas é importante você entender que toda vez que você (mãe ou pai) nega ao seu filho o direito de sentir e de chorar, você está fazendo com que ele se desconecte dele mesmo e comece a se descaracterizar para se adequar às suas expectativas.
E uma pessoa desconectada dela mesma, adoece.
Também atendo adultos em meu consultório e a maioria deles (senão todos), em algum momento do processo de psicoterapia se perguntam “aonde foram parar”.
Muito atentos às demandas e exigências externas, se abandonaram nas andanças da vida. Foram construindo vidas de mentira. Até que o corpo ou alma deram o grito. E adoeceram. Seja fisicamente, seja emocionalmente.
Um choro quando surge, precisa sair.
Precisa de tempo.
Precisa de espaço.
O choro, para a criança, é comunicação.
De dor.
De medo.
De angústia.
De cansaço.
De insegurança.
De frustração.
De necessidade de atenção, de olhar, de abraço, de toque e de carinho.
Voltando ao dia em que minha filha verbalizou a sua constatação de que nós, adultos, choramos bem baixinho.
Lembrei de uma quarta feira de manhã (poucos dias antes dessa fala) em que eu estava arrumando um lanche na cozinha e chorava baixinho. Com lágrimas que não paravam de cair.
Melissa me perguntou se eu estava chorando.
Sem pensar, disse que sim.
- Sim Mel. A mamãe está chorando. Estou chorando porque estou triste. Aconteceu uma coisa muito chata que está deixando a mamãe preocupada. Mas a mamãe já está cuidando disso e logo tudo vai se resolver. Não é nada com você minha filha. Mas a mamãe também fica triste de vez em quando. E também chora. E tudo bem ficar triste e chorar...