Chegamos no Brasil a uma situação inusitada, na qual quem ainda faz oposição democrática são os editoriais dos grandes jornais (O Globo, Folha, Estadão). São eles que dizem coisas que os nossos parlamentares e executivos eleitos e os dirigentes de partidos não têm a coragem ou a decência de dizer.
Isso aconteceu em razão da polarização tóxica que se instalou entre dois populismos: o lulopetismo e o bolsonarismo. Então os atores políticos democráticos não criticam o governo por medo de serem confundidos com os bolsonaristas, tidos por golpistas e fascistas. E o governo e seus apoiadores e protetores (inclusive no judiciário), usam isso como pretexto para fazer qualquer coisa visando a impedir o golpe dos ditos fascistas (ainda que esse golpe hoje tenha se reduzido a vencer eleições).
Ocorre que sem oposição democrática não há democracia plena. A manutenção dessa polarização entre populismos vai erodindo as bases da nossa democracia e estamos sob risco de entrar em transição autocratizante.
Os bolsonaristas estragam tudo ao dizer que já somos uma ditadura, tirando seriedade e credibilidade das análises que poderiam alertar a sociedade brasileira para o perigo.
Sim, a democracia está sob ataque. Mas os ataques mais recentes à democracia no Brasil nada têm a ver Elon Musk, nem com Bolsonaro ou Marçal. Tais atores não são democráticos mesmo, mas não é disso que se trata. Têm a ver, no fundo, com um projeto partidário que acha que chegou a hora de inverter artificialmente a correlação de forças no país, à revelia das condições objetivas, a partir de uma vontade de poder. Provavelmente não vão conseguir, mas vão aprofundar a crise do nosso regime. E aí ninguém sabe ao certo o que poderá acontecer. O fato é que a conjuntura está mudando rapidamente no Brasil. Quando isso acontece, pouca gente percebe.
O sentido da polarização entre os populismos (no Brasil, lulopetistas x bolsonaristas) é impedir o crescimento de uma força política democrática. Os alvos reais são os democratas liberais. É por isso que o eixo autocrático investe tanto em ambos os polos. É por isso que, na França, Putin estimula, ao mesmo tempo, Le Pen e Mélenchon. É por isso que, no Brasil, Putin é apoiado tanto por Lula quanto por Bolsonaro. Eis a face inéditada nova guerra fria.
Ninguém deve se iludir. Os democratas liberais, são os verdadeiros alvos e as principais vítimas da polarização tóxica entre os dois populismos que parasitam nosso regime democrático. São eles que estão sob ataque, à esquerda e à direita, do lulopetismo e do bolsonarismo.
Por isso nunca foi tão importante conectar os democratas que querem ser livres da polarização. Ou nos livramos dessa polarização estiolante ou vamos ultrapassar um limite a partir do qual o vale-tudo da luta para destruir (e construir continuamente) inimigos vai aplastar uma cultura política que valoriza a moderação e a busca do consenso. E sem a expansão dessa cultura, podemos dar adeus à possibilidade de virmos a ter, no curto ou médio prazos, um regime democrático liberal no país.