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Imagem: Nelson Jr/ SCO / STF

Nenhuma instituição deve ser imune ao controle externo

Oito sugestões para controle externo do STF


Augusto de Franco

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Augusto de Franco, analista político, é autor do livro Como as democracias nascem


Em democracias, nenhuma instituição, de qualquer poder, pode ser imune a alguma forma de controle externo efetivo. 

Entre nós, por exemplo, o STF – Supremo Tribunal Federal – não está submetido a controle externo efetivo: os reguladores do seu comportamento (no caso do Brasil e de outros países, o Senado) estão sempre sob a ameaça tácita de serem julgados, em caráter irrecorrível, pela instância que devem regular.

O exercício de um poder sem controle introduz uma anomalia no sistema institucional da democracia, levando seus integrantes (no caso, do poder judiciário) a não mais conseguir distinguir entre império da lei e império das instituições encarregadas de interpretá-la e aplicá-la. 

Uma suprema instância judicial invadirá as competências de outros poderes: não, como se diz, em razão da omissão de parlamentos e governos, e sim, simplesmente, porque pode fazê-lo - seja monocraticamente, por iniciativa de algum juiz atrevido, seja coletivamente, escorada no ambiente corporativo que se configura. Assim, decisões monocráticas parciais, descabidas ou mesmo esdrúxulas, serão ratificadas pelo “sindicato”, que age dessa forma para não perder o poder que foi conquistando na prática, gerando superavits de poder - o que gera desequilíbrio, não equilíbrio, entre os poderes. E pior, passa a encarar os que criticam o seu comportamento como adversários ou inimigos, atuando como um partido político.

No limite, toda a sociedade fica vulnerável ao arbítrio de um pequeno grupo de pessoas (uma corte mesmo, no sentido absolutista do termo) que, na prática, diz o que é legal ou ilegal, permitido ou proibido, justo ou injusto, correto ou errado, bom ou mau. Sim, a fronteira entre o julgamento jurídico e o julgamento moral é muito tênue e pervasiva.

Percebendo tais confusões publiquei no X (ainda bem que voltou, depois da quarentena estabelecida por Alexandre Moraes para impedir que as pessoas votem errado) oito sugestões para um novo regimento interno do STF. Reproduzo abaixo.

Em democracias, os membros de uma suprema corte: 

1) Devem dizer o que é legal ou ilegal de acordo com a sua interpretação das leis escritas, em especial se atendo ao que é constitucional ou não, mas não devem fazer julgamentos éticos (se metendo a dizer o que é bom ou mau), nem "históricos" (querendo determinar o que é civilizatório ou não), nem epistemológicos (decretando o que é verdadeiro ou falso, científico ou não científico), nem mesmo  políticos (querendo julgar o que é politicamente correto ou incorreto ou o que é democrático ou antidemocrático).

2) Não devem aderir a doutrinas exóticas, como a da "democracia militante" (de Karl Loewenstein), muito menos atuar como "soldados da democracia" (para vigiar e punir o Lügenpresse (que hoje chamaríamos de "fake news").

3) Não devem se comportar como celebridades, ansiando por ficar o maior tempo possível sob as luzes do palco.

4) Devem, de preferência, falar nos autos e não ficar dando entrevistas como se fossem líderes políticos, morais ou religiosos da nação.

5) Não devem mandar recadinhos a outros poderes, entrando em disputas políticas melífluas e astuciosas, não raro com ameaças solertes embutidas, ao estilo daqueles intrigantes potentados vaticanos.

6) Devem manter sempre um estilo sóbrio, contido, evitando confraternizar com atores políticos e empresariais em festas e churrascos ou se integrando a comitivas de viagens nacionais ou internacionais, muito menos pegando carona em jatinhos de pessoas que podem vir a ser julgadas por eles.

7) Jamais podem se comportar corporativamente, como se o tribunal fosse um sindicato.

8) Embora tenham um papel político (policy), jamais podem fazer política privada (politics), como se o tribunal fosse um partido.

Parece até uma provocação, mas não é. Tudo isso tem um objetivo de – aqui, sim, realmente – proteger a democracia. Pois a democracia não tem proteção eficaz contra o uso extremado e indevido de uma suprema corte para impor politicamente à sociedade, a partir do Estado, sua concepção particular de democracia, a qual, não raro, pode estar muito distante da “tradição” democrática que começa na antiguidade ateniense com Clístenes, Efialtes, Péricles, Aspásia, Protágoras (e outros sofistas) e se desenvolve, na modernidade, com os pensamentos, entre outros, de Althusius, Spinoza, Locke, Montesquieu, Rousseau, Jefferson e os Federalistas, Paine, von Humboldt, Constant, Tocqueville, Mill, Dewey, Popper, Arendt, Bobbio, Lefort, Castoriadis, Maturana, Rawls, Berlin, Havel, Dahrendorf, Sen e Dahl – para ficarmos até o final do século 20. 

Sim, porque, frequentemente, notável saber jurídico (exigido formalmente para alguém ser nomeado para o STF) não significa notável "saber democrático" (entre aspas porque a democracia não é propriamente um saber e sim um modo de se comportar politicamente).

* Esta coluna tem caráter opinativo e não reflete o posicionamento do grupo.
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