Para escrever esta coluna, me despi de toda informação contaminada por preferências, quer sejam elas políticas ou ideológicas. Claro que, por ser opinião, meu texto trará minha visão sobre o tema e, por consequência, pode e deve suscitar opiniões divergentes. Afinal de contas, é para isso que existe opinião.
A linguagem é um elemento fundamental da comunicação humana, e sua evolução reflete as mudanças sociais, culturais e políticas ao longo do tempo. Nos últimos anos, o debate sobre a adoção da linguagem neutra de gênero tem ganhado destaque.
Nesta semana, um embate na Câmara Municipal de Belo Horizonte entre os vereadores Juhlia Santos (PSOL) e Pablo Almeida (PL) alimentou a discussão. A vereadora, mulher trans, iniciou seu discurso utilizando a linguagem neutra. Em seguida, foi a vez do vereador, conservador e identificado com os princípios cristãos, rebater Juhlia. Pablo disse que a linguagem neutra não existe.
Há os que a defendem e queiram sua imediata adoção à língua portuguesa, há os que admitem seu uso sem a necessidade de inclusão e obrigação de sua utilização e, ainda, há os que não admitem seu uso de maneira alguma.
Para abordar o tema, pesquisei com atenção textos de linguistas teóricos, sociolinguistas, psicolinguistas, lexicógrafos, professores e acadêmicos que se dedicam ao tema – ufa! Como é dura a vida do colunista – e descrevo aqui algumas das opiniões observadas.
Os que defendem a adoção da linguagem neutra e sua inclusão em nosso idioma oficial destacam que tais ações promoveriam a inclusão e a representatividade de pessoas não binárias e de outras identidades de gênero que não se encaixam nas categorias tradicionais de masculino e feminino, contribuindo para a criação de um ambiente mais acolhedor e respeitoso. Para esses, a linguagem neutra pode ajudar a desconstruir estereótipos de gênero, abrindo espaço para uma sociedade mais igualitária. Por último, destacam que a implementação da linguagem neutra representa uma evolução natural da língua, argumentando que a língua não é estática e que a inclusão de novas formas linguísticas pode enriquecer a comunicação.
Na minha opinião, os argumentos acima se sustentam mais por questões de reafirmação de grupos do que por argumentos técnicos e de mudanças que tornassem o uso do idioma mais inclusivo. Lembrando que a inclusão deve ser permeável a todos, daí poderíamos abrir um campo de reivindicação amplo que tornaria nosso idioma uma verdadeira Torre de Babel.
Os que não se opõem à sua utilização, mas são contrários às ações mais definitivas quanto ao uso da linguagem neutra, têm como princípio o fato de que, se um grupo de pessoas, independentemente de seu tamanho, se sente mais identificado com o uso de linguagens específicas nas relações cotidianas, que o façam sem a necessidade de imposição de suas identidades ao todo da sociedade. Para esses, há o exemplo de linguagens utilizadas por grupos étnicos ou corporativos, que não necessariamente são absorvidas ou oficializadas nos idiomas das nações.
Os argumentos desse segundo grupo são mais realistas. Propõem uma multiplicidade de usos da língua já verificada. Afinal, dialetos e outras formas de comunicação e linguagem já são usados mundo afora desde o início dos tempos.
Aqueles que se opõem ao seu uso têm como argumento o fato de que a mudança representa uma ameaça às tradições linguísticas e culturais e que a introdução de pronomes e desinências neutras pode tornar a língua mais complexa, especialmente para aqueles que estão aprendendo o idioma. Isso pode gerar confusão e dificultar a comunicação. Eles questionam se a adoção da linguagem neutra deve ser imposta por normas e regulamentações. Para eles, a imposição por grupos gera resistência, pois a língua portuguesa já é completa em sua constituição gramatical, sua sintaxe e seu léxico, sem a necessidade de mudanças.
Embora o argumento principal usado no raciocínio acima seja legítimo – a língua portuguesa e sua completa arquitetura –, nada poderá impedir que grupos que se identifiquem com a linguagem neutra a usem.
Fato é que, para que a linguagem neutra seja aceita pela sociedade, haverá a necessidade de uma reforma linguística consensuada pelos países de língua portuguesa, com a realização de fóruns técnicos que a estudem.
Não é tarefa simples, e o uso da linguagem neutra não pode ser decidido por movimentos de grupos que a querem oficializar por decreto ou lei.
O idioma do país, até segunda ordem, é o português, que, mesmo maltratado, como, por exemplo, nas redes sociais ou em algumas peças da música popular, ainda deve ser preservado, e seu uso correto incentivado.
Finalizo recorrendo a Olavo Bilac, que exaltou em seus sonetos a nossa língua:
“Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela."
Bilac, um dos principais expoentes do movimento parnasiano no Brasil, conhecido por sua busca pela forma perfeita na poesia, destaca a beleza e a complexidade do nosso idioma, mesmo que às vezes pareça rústico e difícil. A expressão "última flor do Lácio" sugere que a língua portuguesa é uma evolução final e refinada do latim, que foi a língua-mãe de muitos idiomas falados na região do Lácio, o berço das línguas latinas.
Usemos o belo idioma em toda a sua complexidade, que traz ao escritor a obrigação de rever seus textos exaustivamente para cultivá-lo e preservá-lo. E, se a coluna é de opinião, trago a minha de maneira explícita.
Não vejo a necessidade de inclusão da linguagem neutra de forma oficial no nosso idioma. Continuarei usando a língua portuguesa como a aprendi nos bancos escolares e me apaixonei por sua complexidade e sonoridade.
Recorri à inteligência artificial e pedi que ela fizesse um poema tendo como tema a língua portuguesa. Eis o resultado:
"Salve, ó língua-mãe, de sons vibrantes,
Canta o Brasil em tua melodia;
Do Lácio, herdeira de encantos constantes,
Esplendes, bela, com tua poesia."
A IA reconhece, como deveríamos fazê-lo, a beleza da nossa língua, que, em princípio, atende a todas as necessidades que seu uso impõe.