Estar diante de uma criança significa estar diante de uma forma diferente de ver, entender e interpretar o mundo e as situações.
Uma vassoura encostada no canto da cozinha é facilmente transformada numa nave espacial que leva astronautas para a lua.
Uma folha seca que caiu da árvore e está “dando sopa” na calçada, vira um barco, um pedaço de pão, ou um berço de bebê.
Os objetos transitam entre seus significados reais e os imaginários, criados por cada criança em cada momento distinto de sua vida ou do seu dia.
Perceber que o mundo da imaginação permeia a vida cotidiana das crianças não é novidade para ninguém.
Mas o que fica muito claro para mim ao escutar muitas falas de mães e pais é que nem sempre o significado e a importância do faz de conta é compreendido de fato pelo universo adulto.
Frases como: “Cecília, meu filho não sai do ‘mundo do faz de conta’, isto é um problema?”. Ou “o que eu faço para meu filho sair desse mundo fantasioso e aterrissar na vida real”?. Ou “até quando devo incentivar meu filho a acreditar em contos de fadas, Papai Noel e Coelho da Páscoa”?
Antes de responder a estas perguntas, é importante deixar alguns pontos bem claros aqui.
O primeiro deles é que a forma que a criança tem de entender o mundo do qual faz parte e de se comunicar e interagir com ele é diferente da forma como o adulto o faz.
Parece óbvio.
Mas o que isto significa?
Significa que, dependendo da faixa etária aproximada de uma criança, o seu processo mental funciona de forma bastante específica, fazendo com que ela se relacione com tudo e com todos ao seu redor de maneira também específica.
Até os dois anos de idade, a forma que a criança tem de conhecer, entender e se comunicar com o mundo ao seu redor é sensório motora. O que significa que ela vai PRECISAR sentir os cheiros, os gostos e as texturas. Vai PRECISAR escutar os sons, enxergar as nuances de cores e formas de tudo e de todos ao seu redor.
E ela vai fazer isto com a curiosidade, a intensidade e o entusiasmo de um cientista que está prestes a descobrir algo grandioso.
Por volta dos dois anos até os sete (aproximadamente), a criança dá um “salto qualitativo” do ponto de vista cognitivo. E o esquema que tem para lidar com o mundo, com sua vida e com as pessoas já não é mais, prioritariamente sensório motor.
A utilização de símbolos para se comunicar chega a todo vapor.
Isto pode ser identificado tanto na linguagem falada (que tem início por volta dos dois anos de idade) quanto nas imitações e nas brincadeiras de faz de conta.
Antes de alcançar um pensamento lógico e racional e, posteriormente um pensamento capaz de operar por hipóteses e deduções plausíveis (como o pensamento de um adulto, por exemplo), as crianças vão precisar vivenciar um mergulho (bem profundo, diga-se de passagem) no mundo da imaginação onde tudo pode e acontece. Onde as soluções nunca são impossíveis ou inviáveis.
As brincadeiras de faz de conta estão para uma criança como a fala verbal está para um adulto.
Se para você que é mãe uma boa conversa com o marido ou com uma amiga ou com o psicoterapeuta trás alívio, leveza e sensação de desabafo e organização interna, entenda que a brincadeira de faz de conta tem a mesma função para o seu filho.
É brincando, imaginando e inventando estórias e enredos variados que seu filho está dando significados para as experiências diárias que vivencia; está desabafando; está almejando coisas para o futuro; e, por fim, se apropriando e organizando suas emoções e sentimentos.
Ou seja, é assim que ele está se preparando para os desafios que virão nas próximas fases de seu desenvolvimento.
Uma criança que tem tempo e liberdade de brincar livremente (sem regras e limites para o que “existe” e o que “não existe”) será um adulto mais leve, mais feliz e mais seguro.
Então, respondendo a uma das perguntas que escuto muito:
“Até quando incentivar o faz de conta?”
Até quando seu filho precisar experienciar isto.
Liberdade de imaginação é para apreciar sem moderação!